TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

64 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL II – Fundamentação Questão prévia: a legitimidade processual do requerente Nos presentes autos, o Representante da República para a Região Autónoma da Madeira veio requerer ao Tribunal Constitucional a declaração de ilegalidade da totalidade das normas constantes da Resolução do Governo Regional n.º 905/2013, de 6 de setembro, que “Determina que o período normal de trabalho tem a duração máxima de 8 horas por dia e de 40 horas por semana, não podendo ser inferior a 7 horas por dia e 35 horas por semana aos serviços que integram a administração direta e indireta da Região”, publicada no Jornal Oficial da Região Autónoma da Madeira do dia 6 de setembro de 2013, I série, número 122, por violação dos artigos 37.º, 39.º e 69.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira. E fá-lo ao abrigo da alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição. Na verdade, este preceito atribui aos Representantes da República para as Regiões Autónomas dos Aço- res e da Madeira legitimidade para requerer ao Tribunal Constitucional a declaração de ilegalidade de normas com fundamento na violação do respetivo Estatuto. Ao contrário do que sucede com aquele que é atribuído aos órgãos enumerados nas demais alíneas, o poder de iniciativa conferido pela alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição é, não geral, mas limi- tado, resultando essa limitação dos requisitos específicos a que se encontra sujeita a respetiva causa de pedir. Assim, quando o pedido for de declaração de ilegalidade, esta encontrar-se-á tematicamente circunscrita, para efeitos de legitimidade processual ativa, à violação do Estatuto Político-Administrativo da Região Autó- noma em cujo âmbito se inscreva a entidade requerente. Note-se que o efeito de supraordenação das normas estatutárias resulta do seu valor paramétrico geral (artigo 112.º, n.º 3, da Constituição), concretizando-se este na previsão constitucional de um controlo de legalidade a que são sujeitáveis as normas constantes de atos legislativos que se não encontrem em confor- midade com os estatutos regionais – trate-se de diploma regional ou de diploma emanado dos órgãos de soberania [cfr. artigos 280.º, n.º 2, alíneas b) e c) , e 281.º, n.º 1, alíneas c) e d) , da CRP]. Conforme consensualmente reconhecido na jurisprudência e na doutrina constitucionais, a superio- ridade hierárquica das disposições constantes dos estatutos só deve ser reconhecida em relação às normas materialmente estatutárias (cfr. Acórdãos n. os  291/99, 567/04, 581/07 e 238/08 e, no mesmo sentido, Jorge Miranda / Rui Medeiros, in Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra Editora, 2007, p. 295), isto é, àquelas que disponham sobre matérias que só os estatutos regionais podem regular (cfr. Acórdão n.º 162/99). Para que a determinada norma estatutária possa ser reconhecido valor material reforçado não bastará, assim, que a mesma conste de um estatuto regional: perante a insuficiência do critério da sediação, apenas terão valor supralegislativo – e, com ele, a prerrogativa de inalterabilidade por fonte normativa diversa – as normas constantes do Estatuto que pertençam ao “âmbito material estatutário” (cfr. Acórdão n.º 162/99). Embora a Constituição não enuncie de modo expresso as matérias “estatutárias por natureza” (Acór- dão n.º 460/99) –, é consensualmente aceite que as mesmas deverão ser identificadas a partir do princípio segundo o qual o “estatuto regional é o estatuto de uma pessoa coletiva” – uma pessoa coletiva territorial (cfr. artigo 227.º, n.º 1, da Constituição) – “e, neste sentido, uma lei organizatória (cfr. J. J. Gomes Canotilho / Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, II, 4.ª edição, Coimbra Editora, p. 650). Ora, o presente pedido fundamenta-se na violação dos artigos 37.º, 39.º e 69.º, todos do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, relativos à competência legislativa e regulamentar da Assembleia Legislativa, bem como à competência do Governo Regional, respetivamente, o que poderia indiciar a verificação automática do requisito de legitimidade constante da alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição. Porém, assim não é.

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