TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

640 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL o recurso à analogia; é hoje praticamente unânime o entendimento de que as exigências relativas a este princípio não se limitam ao tipo de ilícito mas abrangem o tipo de culpa, assim como as circunstâncias agravantes da medida da pena, pelo que, no que respeita ao problema da compatibilização da norma sob apreciação com as exigências do princípio da legalidade, não será pela qualificação assentar num tipo de culpa que a incriminação ficará imune ao controlo por aquele princípio. IV – Para construir o homicídio qualificado, o legislador recorreu à chamada técnica dos exemplos-padrão, traduzindo-se a especial relação que se estabelece entre a cláusula geral do n.º 1 do artigo 132.º do Código Penal e os exemplos-padrão do n.º 2 no seguinte e delicado mecanismo: a mera verificação de um exemplo-padrão não é, por si só, suficiente para fazer operar a qualificação; e até pode não ser necessária; a verificação da especial censurabilidade ou perversidade da conduta do agente, pelo seu lado, será sempre necessária; mas não é nunca suficiente; partindo desta compreensão do tipo, a questão que se coloca é a de saber se e em que medida – dentro de que «balizas de legitimidade cons- titucional» – é possível punir pelo crime de homicídio qualificado constelações fácticas que estão para além do teor expresso das normas que prescrevem os singulares exemplos-padrão. V – A doutrina tem vindo a aceitar que a punibilidade ainda é compatível com o princípio da legalidade naqueles casos em que a situação concreta revela um conteúdo de desvalor ou uma estrutura axiológica idêntica ou similar a algum dos exemplos-padrão ali consagrados, sendo consensual que a qualificação terá sempre que passar pela filtragem ou mediação através do exame de correspondência axiológica concreta com algum dos exemplos-padrão elencados no n.º 2; nesta compreensão só podem punir- -se por homicídio qualificado atípico as condutas que, embora não correspondendo ao teor expresso de qualquer dos exemplos-padrão, seja, todavia, possível, por via de interpretação extensiva (assente numa indiscutível comunicabilidade teleológico-axiológica), incluir no “tipo orientador” de ilícito (danosidade social/desvalor de ação) e de culpa de um dos exemplos-padrão; só depois de uma prévia, e necessariamente positiva, resposta às exigências de um exemplo-padrão será admissível, num segun- do momento, questionar a especial censurabilidade ou perversidade. VI – O princípio da tipicidade dos crimes pode ser visto como corolário do princípio da legalidade; ora, se apenas podem ser crimes comportamentos especialmente graves e censuráveis, e se estes comporta- mentos, para constituírem crimes, têm de ser previamente identificados como tais pelo legislador (e definidos de modo a poderem ser percebidos como tais pelos destinatários da norma), compreendem-se as dimensões constitucionais do princípio da tipicidade penal, nomeadamente as exigências de lei certa e de lei estrita; a lei penal que institui uma conduta humana em crime não pode fazer apelo a conceitos vagos e de determinação difícil, a exigir do aplicador uma atividade perturbada e perturbadora. VII – Assente que a situação em causa não se reconduz diretamente a qualquer um dos exemplos-padrão previstos no n.º 2, tudo está em saber se a punição por homicídio qualificado assentou no reconheci- mento judicial de uma situação reconduzível a uma estrutura valorativa comparável àquele que subjaz a algum ou a alguns dos exemplos-padrão específica e individualmente considerados; ora, parece resultar da decisão recorrida que o tribunal terá entendido que a conduta do autor do crime teria revelado uma gravidade equivalente à que se poderia identificar conjuntamente nos exemplos-padrão das alíneas a) , b) , e) e j) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal – e não específica e individualmente nalgum ou nalguns deles.

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