TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

644 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Contudo, já na fase de alegações, o Ministério Público veio sustentar que a segunda dessas questões, que diz respeito à interpretação do artigo 133.º do CP, também não pode ser conhecida, por não estar verificado um dos pressupostos de que depende o conhecimento do recurso de constitucionalidade interposto nos ter- mos do artigo 70.º, n.º 1, alínea b) , da Lei do Tribunal Constitucional (LTC). O preenchimento do tipo privilegiado do artigo 133.º do CP exige a verificação de uma situação de compreensível emoção violenta. A questão é enunciada pelo recorrente a respeito do «segmento em que se exprime o conceito de com- preensibilidade referente ao pressuposto ou elemento da compreensível emoção violenta aí tipificado», sus- tentando que é inconstitucional a «interpretação que de tal preceito se faça no sentido de exigir para verifi- cação de tal pressuposto ou elemento, qualquer relação causal de proporcionalidade entre o facto injusto do provocador e o facto ilícito provocado». Analisando o acórdão recorrido, verifica-se que o Supremo Tribunal de Justiça, depois de confirmar o enquadramento jurídico das instâncias no tipo do homicídio qualificado, passa a apreciar cada uma das hipóteses de qualificação jurídica dos factos equacionadas pelo recorrente nas conclusões de recurso (para o STJ): legítima defesa, legítima defesa de terceiro, legítima defesa putativa e excesso de legítima defesa e, por fim, o tipo privilegiado constante do artigo 133.º do CP. A fundamentação do tribunal para concluir pela não verificação de tais situações assentou na matéria de facto provada: não só da mesma não resultam elementos que suportem os requisitos legalmente previstos naqueles institutos, como os factos que resultaram provados apontam no sentido oposto – por isso alicerça- ram o enquadramento no tipo penal agravado. 14. Especificamente a respeito do artigo 133.º, citando a decisão de 1.ª instância, diz-se no acórdão recorrido: «Ainda a respeito da qualificação jurídica dos factos, refira-se o seguinte: na contestação, o arguido pugnou pela integração da sua conduta na figura do homicídio privilegiado, previsto e punido pelo artigo 133.º do Código Penal. Para tal, alegou ter atuado num estado de perturbação psicológica, humilhação, sofrimento e revolta que lhe foi causado pelas atuações de D., ao longo de três anos e no próprio dia dos factos, ou seja, dominado por uma compreensível emoção violenta que lhe afetou a capacidade de atuar. Essa alegação escorava-se, nomeadamente, num vasto conjunto de atuações que o arguido imputou a D. ao longo do referido período, designadamente agressões físicas e verbais, sobretudo à sua filha, mas também a si e restantes familiares, bem como num estado de doença mental atribuído àquele que o tomava perigoso, nomea- damente para com a própria menor. Porém, tais factos ficaram, na sua grande maioria, por demonstrar, apenas se tendo provado, em traços gerais, duas situações em que D., ao telefone, injuriou e ameaçou o arguido, outra em que lhe disse que a filha dele se tinha prostituído consigo, um episódio de violência, ocorrido em Santa Maria da Feira, para com o veículo deste e a agressão física, com uma bofetada, que, nos dias dos factos, desferiu coclaudion- tra a tia do arguido. Mais se provou que, em consequência desses comportamentos de D., inseridos no conflito mantido com a filha do arguido sobre a descendente de ambos, este sentia humilhação, dor e mágoa, bem como receio que aquele pudesse atentar contra a sua integridade física e dos seus familiares. Porém, deste conjunto factual, mais pormenorizado e contextualizado na descrição da matéria de facto provada – nomeadamente no que concerne à motivação do episódio de violência contra o veículo do arguido e à expressão de que a filha deste se prostituíra consigo – não é de modo algum possível concluir por um estado de perturbação suscetível de demonstrar que o arguido, ao disparar sobre D. da forma que o fez, agiu dominado por uma com- preensível emoção violenta. Como tal, fica arredada a hipótese de integrar a sua conduta no tipo privilegiado do artigo 133.º do Código Penal.»

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