TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

647 acórdão n.º 852/14 j) Agir com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados ou ter persistido na intenção de matar por mais de vinte e quatro horas; l) Praticar o facto contra membro de órgão de soberania, do Conselho de Estado, Representante da Repú- blica, magistrado, membro de órgão do governo próprio das regiões autónomas, Provedor de Justiça, mem- bro de órgão das autarquias locais ou de serviço ou organismo que exerça autoridade pública, comandante de força pública, jurado, testemunha, advogado, solicitador, agente de execução, administrador judicial, todos os que exerçam funções no âmbito de procedimentos de resolução extrajudicial de conflitos, agente das forças ou serviços de segurança, funcionário público, civil ou militar, agente de força pública ou cida- dão encarregado de serviço público, docente, examinador ou membro de comunidade escolar, ou ministro de culto religioso, juiz ou árbitro desportivo sob a jurisdição das federações desportivas, no exercício das suas funções ou por causa delas; m) Ser funcionário e praticar o facto com grave abuso de autoridade.» 17. Antes de nos debruçarmos sobre a questão de constitucionalidade importa fazer uma breve análise dos traços fundamentais do regime do homicídio qualificado. Limitar-nos-emos, porém, aos aspetos cuja clarificação se revele indispensável e decisiva para o nosso caso, deixando de lado outros problemas, designadamente de categorização, como seja o de saber se o artigo 132.º, em particular os exemplos-padrão, configuram elementos do tipo de ilícito, elementos do tipo de culpa ou meras circunstâncias determinantes da medida da pena. Não olvidamos que a questão tem impli- cações práticas relevantes, designadamente nos planos do dolo, da tentativa e da comparticipação. Contudo, no que respeita ao problema da compatibilização da norma com as exigências do princípio da legalidade, não será pela qualificação assentar num tipo de culpa que a incriminação ficará imune ao controlo por aquele princípio. Com efeito, é hoje praticamente unânime o entendimento de que as exigências relativas a este princípio não se limitam ao tipo de ilícito mas abrangem o tipo de culpa, assim como as circunstâncias agravantes da medida da pena (neste sentido Augusto Silva Dias, Crimes contra a Vida e Integridade Física , AAFDL, 2007, p. 27). A este respeito, Figueiredo Dias refere-se ao tipo legal ou tipo de garantia como «o tipo formado pelo conjunto de elementos cuja fixação se torna necessária para uma correta observância do princípio da lega- lidade». Nas palavras deste Autor, no plano da determinabilidade «aquilo que importa é que a descrição da matéria proibida e de todos os outros requisitos de que dependa em concreto uma punição seja levada até um ponto em que se tornem objetivamente determináveis os comportamentos proibidos e sancionados e, consequentemente, se torne objetivamente motivável e dirigível a conduta dos cidadãos» (in Direito Penal. Parte Geral, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2007, pp. 185-186). 18. Para construir o homicídio qualificado o legislador recorreu à técnica chamada dos exemplos-padrão. Nas palavras de Teresa Serra ( Homicídio Qualificado: Tipo de Culpa e Medida da Pena, Almedina, Coimbra, 1990, pp. 120-125), «esta técnica estrutura-se sobre uma cláusula geral (prevista no n.º 1 do artigo 132.º), concretizada através de uma enumeração casuística exemplificativa de circunstâncias agravantes de funciona- mento não automático (elencados no n.º 2 do mesmo preceito)». Adiantamos também que, apesar de toda a polémica em torno deste tipo penal, é unânime – ou pelo menos, não se registam divergências doutrinárias sensíveis –, que o procedimento traduzido em fazer um apelo direto à cláusula da especial censurabilidade ou perversidade, prescindindo por completo da interven- ção (ou mediação) dos exemplos-padrão, violaria o princípio da legalidade penal. Para a generalidade da doutrina a compatibilidade do preceito com as exigências do princípio da lega- lidade reside na particular conexão que se estabelece – se tem de estabelecer – entre a cláusula geral do n.º 1 e os exemplos-padrão do n.º 2. É essa imbricação que vai assegurar o respeito pelas exigências que decorrem daquele princípio.

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