TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

648 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Isto porque, entregue a si própria, a cláusula geral, inscrita no n.º 1, ao deitar mão aos conceitos de especial censurabilidade ou perversidade, necessariamente generalizadores e indeterminados, atrairia sobre si a suspeita de ofensa daquele princípio. É que a legalidade penal não pode ser uma legalidade integrada por conceitos cujo grau de generalidade ou de vacuidade requer, como condição indispensável de aplicação, uma escolha valorativa do juiz dentro de parâmetros tão vastos que lhe conferem uma amplíssima margem de ponderação e decisão. Pelo seu lado, os exemplos-padrão também não podem operar isoladamente, consagrada que está a proibição da analogia em direito penal. 19. A especial relação que se estabelece entre a cláusula geral do n.º 1 e os exemplos-padrão do n.º 2 traduz-se no seguinte e delicado mecanismo, que se procura dilucidar: a) A mera verificação de um exemplo-padrão não é, por si só, suficiente para fazer operar a qualificação; e b) Até pode não ser necessária; c) A verificação da especial censurabilidade ou perversidade da conduta do agente, pelo seu lado, será sempre necessária; d) Mas não é nunca suficiente. A fórmula «não só nem sempre», adotada por Silva Dias, é, parece, aquela que melhor espelha esta dinâmica subtil ( op. cit. , pp. 24). Segundo a maioria da doutrina (Teresa Serra, Figueiredo Dias, Costa Andrade, Silva Dias), o preen- chimento de um exemplo-padrão dos incluídos no n.º 2 do artigo 132.º desencadeará apenas um efeito indiciário, que pode vir a ser confirmado através de uma ponderação global das circunstâncias do facto e da atitude do agente nelas expressa; ou, inversamente, neutralizado e infirmado. Partindo desta compreensão do tipo do artigo 132.º do CP, a questão que se coloca é a de saber se e em que medida – dentro de que «balizas de legitimidade constitucional» (na expressão de Costa Andrade, cons- tante de parecer anexo aos autos, a fls. 25) – é possível punir pelo crime de homicídio qualificado constela- ções fácticas que estão para além do teor expresso das normas que prescrevem os singulares exemplos-padrão. 20. A doutrina tem vindo a aceitar que ainda é compatível com o princípio da legalidade a punibilidade naqueles casos em que a situação concreta revela um conteúdo de desvalor ou uma estrutura axiológica idên- tica ou similar a algum dos exemplos-padrão ali consagrados. É consensual que a qualificação terá sempre que passar pela filtragem ou mediação através do exame de correspondência axiológica concreta com algum dos exemplos-padrão elencados no n.º 2. Vejamos algumas posições doutrinárias. Para Figueiredo Dias, o respeito pelo princípio da legalidade exige a comprovação de uma situação valorati- vamente análoga a um caso expressamente previsto no artigo 132.º. E não tem dúvidas de que «violador da lega- lidade se revelará qualquer procedimento que se traduza num apelo direto à cláusula da especial censurabilidade ou perversidade, sem passar pelo “crivo” dos exemplos-padrão» (Figueiredo Dias / Nuno Brandão, Comentário Conimbricense do Código Penal , Parte Especial, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, pp. 52). Na mesma linha, para Silva Dias ( ob. cit. p. 25), «a compatibilização da abertura possibilitada pela expressão “entre outras” com o princípio da legalidade só é assegurada se ela não conduzir à dissolução do vínculo do juiz à lei, como disse, e se os exemplos das diversas alíneas puderem funcionar como padrão ou regra e não como exemplificação avulsa». Este autor sublinha que, por respeito às exigências de legalidade e de vinculação à lei, «ao juiz apenas é concedido integrar nas alíneas do n.º 2 circunstâncias que, embora não estejam aí expressamente previstas, correspondam à estrutura de sentido e ao conteúdo de desvalor de cada exemplo-padrão.» Para Teresa Quintela de Brito (Teresa Quintela de Brito e outros autores, Direito Penal-Parte Especial: Lições, Estudos e Casos, Coimbra Editora, 2007, p. 178) «a aceitação de outras circunstâncias agravantes, não

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