TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

649 acórdão n.º 852/14 expressamente previstas na lei, depende da possibilidade de vislumbrar, na nova situação, o grau de desvalor e a estrutura valorativa de algum dos exemplos-padrão. Obviamente, o juiz não pode apelar diretamente à cláusula geral do n.º 1 para afirmar um homicídio qualificado atípico. Não pode acrescentar novas alíneas ao n.º 2 do artigo 132.º. Só lhe é permitido identificar um homicídio qualificado atípico, por via de uma conclusão por analogia do caso em apreço com um dos exemplos-padrão da lei.» No mesmo sentido, Teresa Serra escreve ( cit., p. 123): «A admissão de outras circunstâncias reveladoras da especial censurabilidade ou perversidade do agente está perfeitamente delimitada aos casos em que tais circunstâncias exprimam um grau de gravidade e possuam uma estrutura valorativa correspondente ao Leit- bild dos exemplos-padrão enunciados n.º 2.» De igual forma, Fernanda Palma e Rui Pereira (parecer junto aos autos, fls. 7163) afirmam claramente que «Respeitar o princípio da legalidade ao interpretar e aplicar o artigo 132.º do Código Penal implica que se dê por não escrita a expressão “nomeadamente”, constante do seu n.º 2. Na hipótese interpretativa mais ousada, poder-se-ia admitir a aceitação de casos de homicídio qualificado construídos, alínea a alínea, através de uma espécie de analogia legis, que parta da razão de ser da respetiva virtualidade qualificativa. Segundo esta orientação, poder-se-á questionar, por exemplo, se poderá ser punido como “parricida” alguém que mata a madrinha por quem foi criado e educado como filho. De todo o modo, a construção de “homicídios atí- picos” numa lógica que se desprende das próprias alíneas é inequivocamente incompatível com a legalidade penal e, portanto, inconstitucional». Neste quadro parece unânime o entendimento de que qualquer interpretação que tente fugir ou escapar das balizas acima indicadas não só ignora o sentido e a estrutura lógico-sistemática da técnica dos exemplos- -padrão mobilizada pelo legislador neste âmbito, como viola de forma clara o princípio da legalidade em direito penal (artigo 29.º, n.º 1, da CRP). [vide ainda Faria e Costa, parecer anexo aos autos a fls. 7686] Nesta compreensão só podem punir-se por homicídio qualificado atípico as condutas que, embora não correspondendo ao teor expresso de qualquer dos exemplos-padrão, seja, todavia, possível, por via de interpretação extensiva (assente numa indiscutível comunicabilidade teleológico-axiológica), incluir no “tipo orientador” de ilícito (danosidade social/desvalor de ação) e de culpa de um dos exemplos-padrão. Só depois de uma prévia, e necessariamente positiva, resposta às exigências de um exemplo-padrão será admissível, num segundo momento, questionar a especial censurabilidade ou perversidade. 21. O princípio da tipicidade dos crimes, vertido na conhecida formulação romana nullum crimen nula poena sine lege , pode ser visto como corolário de outro princípio, o da legalidade. A CRP, no seu artigo 29.º, n.º 1, dispõe que «ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a ação ou omissão (…)». A melhor doutrina constitucional desco- bre nesta norma uma tripla exigência: a) A suficiente densidade da norma incriminadora, proibindo-se o uso de conceitos vagos ou insufi- cientemente determinados ( nullum crimen nula poena sine lege certa ); b) A proibição da interpretação extensiva das normas penais incriminadoras (nullum crime nulla poena sine lege stricta) ; c) A determinação legal da pena correspondente a cada tipo de crime (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p. 495; também, Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2010, p. 672). A doutrina penal, que se indica exemplificativamente, não se distancia desta posição. As exigências de suficiente densidade da norma penal são condição de «um direito criminal objetivo que adequadamente cumpra a repartição de competências entre a legislação e a jurisdição – imposta pelo princípio da separação dos poderes –, que atue como fundamento normativo das decisões jurídicas concre- tas – imposta, por sua vez, pelo princípio da vinculação jurídica das mesmas decisões – e ofereça a prática

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