TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

651 acórdão n.º 852/14 penas indefinidas ou com uma moldura penal de tal modo ampla que torne indeterminável a pena a aplicar em concreto. É um princípio que constitui, essencialmente, uma garantia de certeza e de segurança na determinação das condutas humanas que relevam do ponto de vista do direito criminal.» (Acórdão n.º 397/12, disponível em www.tribunalconstitucional.pt ). 23. Dúvidas não existem quanto à razão de ser da exigência da tipicidade. A incriminação de condutas humanas é absolutamente excecional, fundada como é na necessidade de prevenir e reprimir comportamen- tos antissociais que, pela sua gravidade, ameaçam a vida em sociedade. Mesmo quando as condutas huma- nas afetam negativamente direitos e interesses de outros membros da sociedade, causando-lhes prejuízo, a reação penal é uma patologia, apenas ocorrendo quando aqueles direitos e interesses são objeto de proteção constitucional (vide, neste sentido, sublinhando que a sanção penal deve constituir o derradeiro recurso jurídico para o enquadramento de uma conduta humana, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, cit., pp. 493-494; Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada , cit., p. 671). Ora, se apenas podem ser crimes comportamentos especialmente graves e censuráveis; e se estes com- portamentos, para constituírem crimes, têm de ser previamente identificados como tais pelo legislador (e, acrescentamos, definidos de modo a poderem ser percebidos como tais pelos destinatários da norma), com- preendem-se as dimensões constitucionais do princípio da tipicidade penal, tal como se referiram noutro ponto, nomeadamente as exigências de lei certa e de lei estrita. A lei penal que institui uma conduta humana em crime não pode fazer apelo a conceitos vagos e de determinação difícil, a exigir do aplicador uma atividade perturbada e perturbadora. 24. A análise estrutural do artigo 132.º do CP suscitou naturais dúvidas quanto à sua compatibilidade com o princípio da tipicidade. Isso mesmo foi assumido no decurso dos trabalhos de revisão do Código. Aí se pode ler ( Reforma do Código Penal. Trabalhos Preparatórios, Volume I, Lisboa, 1995, p. 145): «A técnica dos exemplos-padrão, que a jurisprudência vem considerando compatível com o princípio da lega- lidade, sempre provocou resistências em vários sectores da doutrina.» Ora, se a técnica dos exemplos-padrão, em si mesma, é, ou foi, controversa, compreende-se muito bem que a generalidade da doutrina, referida noutro ponto, sustente uma aplicação muito prudente do artigo 132.º, no sentido de exigir para verificação do homicídio qualificado atípico, um juízo de especial perver- sidade e censurabilidade concretizado numa estrutura valorativa semelhante a uma das alíneas do n.º 2 do artigo 132.º É elucidativa, a este propósito, a análise que Teresa Serra, faz, alínea a alínea, em busca de exemplos de extensão aplicativa da estrutura valorativa de cada exemplo-padrão (cfr. «Homicídios em série», incluído na coletânea Jornadas sobre a revisão do Código Penal, Lisboa, 1998, pp. 126 a 135): Na verdade, as noções de especial perversidade e censurabilidade, desapoiadas de qualquer elemento concretizador extraído de uma das alíneas do n.º 2 do artigo 132.º, ficam à mercê das pré-compreensões do legislador, construídas com base nas suas convicções, morais, sociais, culturais, filosóficas, religiosas, etc., introduzindo um fator de incerteza intolerável na lei penal. Uma norma penal incriminatória tem, de alguma forma, de dividir o universo dos destinatários em dois compartimentos, tanto quanto possível, estanques: um, onde se encontram aqueles (muitos) que não ado- taram a conduta proibida e sancionada; outro, onde estão aqueles (poucos) que incorreram nela. A fronteira entre ambos tem de ser – tem de procurar ser – uma linha separadora da luz e das trevas, não devendo ser uma zona de penumbra. Estamos agora em condições de verificar se a interpretação normativa que foi dada ao artigo 132.º do CP, que fundamentou a punição do recorrente por homicídio qualificado, respeita ou não os limites aponta- dos ao princípio da legalidade criminal.

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