TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

652 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 25. Assente que a situação em causa não se reconduz diretamente a qualquer um dos exemplos-padrão previstos no n.º 2 (o que foi reconhecido pela decisão recorrida e pelas anteriores instâncias), tudo está em saber se a punição por homicídio qualificado assentou no reconhecimento judicial de uma situação recon- duzível a uma estrutura valorativa comparável àquele que subjaz a algum ou a alguns dos exemplos-padrão específica e individualmente considerados. É a seguinte, na parte que ora interessa, a fundamentação do acórdão recorrido, do STJ: «Ora como bem salientou o acórdão da Relação, em sua fundamentação “sobre a concreta qualificação do homicídio discutido no processo.” “O arguido estava pronunciado pela prática de um crime de homicídio qualificado, do artigo 132.º, n.º 1 e 2, alínea e) e j) , por se ter entendido que a sua ação foi determinada por motivo torpe ou fútil e que agiu com frieza de ânimo e com reflexão sobre os meios empregados. Entendendo como torpe o motivo infame, indecoroso, repugnante, baixo, sórdido, ignóbil, asqueroso, profun- damente imoral, que repugna à generalidade das pessoas, e fútil aquele que é incompreensível para a generalidade das pessoas, que não tem relevo, que é insignificante, gratuito, frívolo, sem valor, que não pode razoavelmente explicar o tribunal recorrido afastou qualquer uma destas circunstâncias porque inserindo-se a conduta do arguido num contexto de conflitualidade crescente, que perdurou por mais de três anos, entre a sua filha e a vítima, con- flitualidade essa que se estendeu a outros membros da família desta, decidiu «que a existência desse conflito, a sua natureza, dimensão e situação subjacente, retiram à conduta do arguido as características que permitiriam conside- rar que foi determinada por um motivo torpe ou fútil». Quanto à segunda circunstância, o tribunal também a afastou porque, não obstante o arguido ter ido armado para o encontro combinado com a vítima para que este visse a filha, entendeu que «não se apurou que o arguido tenha tomado a decisão de atentar contra a vida da vítima anteriormente a ter sacado do revólver e muito menos quanto tempo antes. O facto de se ter munido de uma arma para um encontro deste tipo, não significa necessariamente, desacompanhado de outros elementos, que logo nesse momento tenha tomado a decisão de a vir a usar para matar ou sequer que tenha admitido essa possibilidade, embora em muitas situações assim seja efetivamente (…)» não permi- tindo a matéria de facto provada «afirmar que o arguido tenha refletido sobre o desígnio criminoso, a ponto de revelar tenacidade, firmeza, persistência e intensidade da vontade criminosa, integradoras de uma especial perversidade». Não obstante, o tribunal recorrido qualificou o crime cometido pelo arguido na base da seguinte argumentação e partindo do entendimento que a qualificação do crime por circunstância não prevista no n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal só é possível se se situar num espaço de congruência com os exemplos padrão, a ponto de justificar também, como sucede nestes, uma especial desaprovação da conduta: «… a matéria de facto provada revela várias circunstâncias que tornam o homicídio em causa altamente invul- gar ou incomum, a ponto de o comportamento do arguido revelar especial censurabilidade ou perversidade. Por um lado, a circunstância de ter assassinado o pai da sua própria neta, que tinha apenas três anos e 8 meses de idade, bem sabendo que ele nutria pela filha um enorme afeto, batalhando até à exaustão para conseguir convi- ver com a mesma como pretendia, por forma a acompanhar de perto o seu crescimento e desenvolvimento, o que, ao longo de três anos, foi frequentemente impedido de fazer pela progenitora da menor, filha do arguido. Assim, este privou a neta muito precocemente do afeto, do apoio e do acompanhamento do pai, seguramente com reflexos negativos no seu normal desenvolvimento psicológico e emocional. Para além disso, durante os treze anos em que D. foi namorado e, nos últimos tempos antes do nascimento da menor, mesmo companheiro da sua filha, as rela- ções entre aquele e o arguido processaram-se de um modo cordial e afetivo, chegando este a declarar a várias pessoas que o considerava como filho (…) E mesmo quando aquela relação afetiva terminou e se instalou um quadro de conflitualidade crescente por causa do exercício das responsabilidades parentais (…) o arguido inicialmente adotou uma atitude pacificadora e de mediação, tendo sido amigo de D.. Ora, o arguido foi profundamente indiferente a todas estas circunstâncias de ordem afetiva, que não foram suficientes para refrear o seu propósito de atentar contra a vida da vítima, vencendo facilmente as contramotivações éticas habitualmente derivadas desses laços, o que, em nosso entender, é especialmente censurável.

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