TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

653 acórdão n.º 852/14 […] Por outro lado, é claramente chocante a circunstância de D. ter sido morto na presença da própria filha, com 3 anos e 8 meses de idade, que inclusivamente se encontrava ao colo do arguido, assistindo, assim, ao assassinato do pai pelo avô materno, o que também não foi suficiente para dissuadir este do seu comportamento, revelando uma atitude altamente censurável e reprovável, muito para além do que é normal encontrar num homicida. Para mais, tendo presente o circunstancialismo em que os factos ocorreram, ou seja, num parque público, no decurso de uma visita de exercício das responsabilidades parentais, cuidadosamente estipulada pelo tribunal, com a recomendação expressa, por parte da juíza, cerca de quinze dias antes, na conferência de pais, que a pessoa da família materna da menor que a levasse para o local tivesse o mínimo grau de conflitualidade possível com D., tendo então a filha do arguido respondido que tal pessoa poderia ser este último, por ser calmo e ter bom relacio- namento com aquele. E não obstante tudo isso ser do conhecimento do arguido, que tinha então um papel pacificador, ao dirigir-se para o parque de lazer, a fim de estar presente na visita, muniu-se de um revólver, completamente municiado, que ocultou no vestuário… Ainda que este facto, pelas razões supra expostas, não seja suficiente para preencher o exemplo padrão da alí- nea j) , não deixa de ser um forte indício de frieza de ânimo e de reflexão sobre os meios empregados. Com efeito, ainda que na mera atitude do arguido, ao munir-se da arma, não se possa ver, indiscutivelmente, a formulação da intenção de matar, desconhecendo-se, pois, quando a tomou, milita fortemente nesse sentido o facto de levar uma arma de fogo para uma visita daquela natureza e com aqueles contornos. Tanto mais que o arguido tem uma personalidade que lhe permitiria facilmente resolver de forma racional um eventual conflito que surgisse durante a visita. Com efeito, provou-se que revela tendência para reagir com níveis de ansiedade adequados, mesmo quando confrontado com situações de maior tensão emocional, e possui estratégias de resolução de problemas, o que lhe permite lidar com as situações de ameaça, dano e desafio com que se depara e para as quais não tem respostas de rotina preparadas, tendendo a reagir adequadamente em situações de stress. E refira-se aqui que o alegado receio do arguido de que D. atentasse contra a sua vida e dos seus familiares, não ficou comprovado, nem tão pouco a doença mental que ele e a sua filha lhe atribuíam. Aliás, do conjunto da prova produzida resulta, à saciedade, que o propósito de D. era, única e exclusivamente, estar com a sua filha, de forma tranquila e pacífica, interagindo com ela durante os períodos limitados das visitas, pelo que se apresenta completamente desproporcionada a circunstância de o arguido ir para um desses momentos armado, tornando a sua conduta especialmente censurável. Note-se que, aqui, estamos somente a valorar o facto de ele se ter munido da arma e não de a ter utilizado no cometimento do crime, circunstância esta valorável autonomamente nos termos do artigo 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro. Por outro lado, contrastando com a posição dominante e de superioridade do arguido, que estava rodeado de três familiares (a filha, a mulher e a tia), um amigo e um conhecido a quem pedira especialmente para estar presente para evitar eventuais agressões físicas por parte da vítima (das quais, aliás, não tinha razões fundadas para suspeitar, atenta a forma como tinham decorrido as visitas no último ano), D. encontrava-se apenas acompanhado pela então namorada, grávida de seis meses, e por uma sobrinha desta. Além disso, o encontro destinava-se exclusivamente a ele conviver com a sua filha menor, num parque público e infantil, onde pretendia estar com ela à vontade, não sendo de esperar um comportamento violento como o que o arguido protagonizou, reduzindo as suas hipóteses de reação, até porque o arguido tinha a menor ao colo, apresentando-se, pois, D. numa posição indefesa. Por seu turno, parece claro que a motivação para a conduta do arguido assentou na relação de conflito crescente entre a sua filha e D. por causa do exercício das responsabilidades parentais da filha de ambos. Tal motivação, embora sem poder ser considerada, como já referimos, um motivo fútil, não deixa de revelar uma grande desproporção, revelando um código de valores individuais que se afasta dos padrões éticos socialmente aceitáveis, constituindo um ato altamente censurável. Por fim, mencione-se a muito forte persistência na intenção de matar, tendo o arguido efetuado seis disparos, cinco deles depois de já ter atingido a vítima com o primeiro e após esta se ter virado de costas e posto em fuga, indo o arguido no seu encalço e continuando a disparar sobre ela mesmo depois de esgotar as seis munições do

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