TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

655 acórdão n.º 852/14 A leitura desta passagem do acórdão sugere que, no processo lógico de decisão, o tribunal terá iden- tificado nas circunstâncias concretas do caso uma estrutura valorativa equivalente àquela que seria possível extrair do conjunto dos exemplos-padrão inscritos naquelas alíneas do n.º 2 do artigo 132.º do CP. Isto, não obstante em nenhum ponto da decisão recorrida ter feito referência a qual fosse esse “denominador comum”, presente nas alíneas indicadas, susceptível de servir como ponto de ancoragem do juízo de especial censura- bilidade ou perversidade. Adiante se voltará a este ponto. O problema é que, a nosso ver, não se descobre uma estrutura valorativa comum às condutas enume- radas nas distintas alíneas do n.º 2 do artigo 132.º, em particular às mencionadas nos exemplos-típicos das alíneas a) , b) , e) e j) do mesmo preceito. 27. Na verdade, as realidades contempladas em qualquer destas alíneas são de tal forma diversas umas das outras que não permitem a identificação de uma ideia condutora. O que há de valorativamente equi- valente entre a «relação descendente ou ascendente, adotado ou adotante, da vítima» [alínea a) do n.º 2 do artigo 132.º] e a circunstância de «ser determinado por avidez, pelo prazer de matar ou de causar sofrimento, para excitação ou para satisfação do instinto sexual ou por qualquer motivo torpe ou fútil» [alínea e) do n.º 2 do artigo 132.º]? Para além da especial censurabilidade e perversidade que todos eles parecem revelar, não se descortina qualquer dimensão valorativa comum suscetível de intensificar a censura penal. Como escreve Teresa Serra [ Homicídio Qualificado (…) , cit., p. 73], «esta estrutura valorativa deve ser surpreendida e extraída precisamente da ideia condutora agravante que subjaz a cada uma das circunstâncias mencionadas no n.º 2». E mais adiante: «No âmbito da estrutura valorativa de cada uma dessas circunstân- cias, é possível enquadrar outras circunstâncias diversas das que estão exemplificadas, desde que revelem igualmente um especial grau de gravidade da ilicitude ou da culpa.» Pensemos nos exemplos-padrão da alínea a) e da alínea b) , que são aqueles que hipoteticamente maior afinidade teriam com o caso sub judice , dado que em ambos a ideia condutora agravante respeita a formas de relacionamento próximo entre o agente e a vítima. Mas nem por isso se pode afirmar que entre elas existe uma ideia condutora agravante “comum”. No primeiro, a ideia condutora agravante é o parentesco na linha reta ou situação similar. Já no segundo, o substrato de valoração respeita à relação conjugal ou a relação de natureza análoga. A diferente natureza dos laços de parentesco e de conjugalidade justifica a autonomização em alíneas diferentes. Foi, aliás, essa a razão pela qual o legislador, tendo entendido ser politico-criminalmente aconselhável o alargamento da qualifica- ção também às relações de conjugalidade, sentiu necessidade de as prever de forma expressa (cfr. Figueiredo Dias / Nuno Brandão, Comentário Conimbricense do Código Penal, p. 58): «A clara diferença material dos laços e concomitantes deveres que numa e noutra destas relações ligam os familiares constituía obstáculo a que o exemplo-padrão do parricídio pudesse constituir supedâneo à concessão de natureza qualificadora ao conjugicídio.» 28. O que ficou dito evidencia que não existe uma estrutura valorativa comum às condutas enumeradas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 132.º, pelo menos no sentido de poder ser conjuntamente extraído des- tas alíneas um “denominador comum”. Como se demonstrou acima, cada uma tem a sua estrutura valorativa própria. O mesmo se passa com as alíneas e) e j) , atentas as diversas realidades presentes. Concordamos, pois, com Margarida Silva Pereira, quando afirma não lhe parecer «possível vislumbrar um denominador comum, um tertium comparationis, ou seja, uma regra capaz de aferir da estreita compati- bilidade entre uma eventual circunstância nova latente e as já patentes na lei» ( Direito Penal II: os homicídios, edição da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1998, p. 64). E, não sendo possível, tal significa que, no plano da aplicação do artigo 132.º, tertium non datur entre (a) a direta e imediata aplicação da cláusula de especial censurabilidade ou perversidade e (b) a sua aplicação

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