TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

656 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL mediante o juízo de especial censurabilidade ou perversidade concretizado na estrutura valorativa específica de um dos exemplos-padrão ou numa estrutura valorativa equivalente à de um deles. E, voltando um pouco atrás, ainda que se entendesse ser – teoricamente – possível identificar uma estrutura valorativa não de uma, mas do conjunto formado por algumas das alíneas do artigo 132.º, n.º 2 – o que já se recusou e apenas por mera exaustão de fundamentação se pondera –, tal exercício revelar-se-ia fútil, uma vez que o tribunal não identifica, na decisão recorrida, que ideia condutora agravante teria sido essa, suscetível de operar como elemento de conexão com as circunstâncias concretas do caso dos autos. Não obstante o esforço feito na decisão recorrida para iluminar o juízo de especial censurabilidade e perversidade produzido sobre a conduta do agente, procurando encontrar algures no n.º 2 a centelha que vencesse a obscuridade, tal esforço não se revelou suficiente. Afirmar que «o desvalor do facto é correspon- dente ao daqueles exemplos-padrão, derivado da especial censurabilidade e perversidade demonstradas pelo agente no cometimento do crime», sem concretizar qual seja esse “desvalor” supostamente comum, não permite compreender que quid foi esse, que terá intensificado a especial censurabilidade e perversidade da conduta do agente (itálico nosso). Não se pode ter por bastante a invocação do “crivo” dos exemplos-padrão – até porque não existe pro- priamente o “crivo dos exemplos-padrão”: o que existe, em rigor, são os distintos “crivos de cada exemplo- -padrão”). A invocação conjunta de todas, ou algumas, alíneas do n.º 2 do artigo 132.º, sem identificação clara do fator ou fatores exponenciadores da censura penal resultante da cláusula de especial censurabilidade ou perversidade inscrita no n.º 1, não pode deixar de ter um significado jurídico idêntico ao que resultaria da aplicação direta e imediata desta. Ora, a interpretação / aplicação de um direito assim tornado equívoco e impreciso não satisfaz a exigên- cia de «normas prévias, escritas e precisas», própria do direito penal (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 449/02, já citado), ofendendo, desta forma, os princípios da legalidade e da tipicidade penais, havendo de se considerar desconforme ao artigo 29.º, n.º 1, da CRP. III – Decisão Em face do exposto, decide-se: a) Julgar inconstitucional a norma retirada do n.º 1 do artigo 132.º do Código Penal, na relação deste com o n.º 2 do mesmo preceito, quando interpretada no sentido de nela se poder ancorar a construção da figura do homicídio qualificado, sem que seja possível subsumir a conduta do agente a qualquer das alíneas do n.º 2 ou ao critério de agravação a ela subjacente, por violação dos prin- cípios constitucionais da legalidade e da tipicidade penais, garantidos pelo artigo 29.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa; b) Não conhecer das demais questões de constitucionalidade colocadas pelo recorrente; c) Em consequência, conceder provimento ao recurso, ordenando a reforma da decisão recorrida em conformidade. Lisboa, 10 de dezembro de 2014. – João Pedro Caupers – José Cunha Barbosa – Maria de Fátima Mata- -Mouros – Maria Lúcia Amaral (vencida, conforme declaração que junta) – Joaquim de Sousa Ribeiro. DECLARAÇÃO DE VOTO Vencida, pelas seguintes razões. Até 2008 o Tribunal Constitucional entendeu maioritariamente que não deveria conhecer, em recursos de constitucionalidade, de questões relativas à eventual violação, por parte de decisões judiciais, do princípio

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