TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

68 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL DECLARAÇÃO DE VOTO Por força do que dispõe o artigo 232.º da CRP, a competência para exercer o poder legislativo regional cabe, em exclusivo, às respetivas assembleias legislativas. Contrariamente ao que sucede com o Governo da República, os governos regionais não detêm poderes legislativos a nenhum título, nem em concorrência com as assembleias regionais, nem mediante autorização desta. Como lei organizatória do poder político regional, cabe ao Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira reproduzir e densificar as normas constitucionais relativas às competências dos órgãos de governo próprio da região. E efetivamente desse diploma consta um preceito – o artigo 69.º−, onde exaus- tivamente se define a competência do Governo Regional. Em obediência à conformação constitucional, este quadro estatutário não contempla qualquer possibilidade de exercício por parte do Governo Regional da Madeira de competências qualificáveis como legislativas. Ora – contrariamente ao que pretende, na sua resposta, o Presidente deste órgão – a Resolução impug- nada não “consubstancia instruções aos serviços da administração regional (…) emitidas no âmbito do poder de direção do Governo regional sobre os serviços”, antes adota um regime jurídico primário, substitutivo do pré-existente, tendo, em consequência um iniludível conteúdo legislativo. Sendo assim, estando em causa a competência do Governo regional, e confrontada a Resolução impug- nada com o preceito que, com maior grau de concretização, procede a uma delimitação positiva e negativa dessa competência – o artigo 69.º dos Estatutos – a conclusão a tirar é a de que estamos perante uma ilega- lidade, por violação deste preceito estatutário. Há que ter presente, todavia, que a conformação estatutária segue e desenvolve o sistema constitucional de repartição de competências, pelo que, quanto à competência legislativa, o artigo 69.º dos Estatutos dá expressão ao comando do artigo 232.º da Constituição. A mais disso, pode sustentar-se que estamos perante um aspeto nuclear e estruturante do regime próprio da relação de emprego público – integrando, nessa medida, as ”bases” que a Constituição reserva à Assembleia da República [artigo 165.º, n.º 1, alínea t) ]. Ou seja, em razão da matéria, trata-se de um ato legislativo que nem a Assembleia Legislativa regional poderia emitir, por cair dentro da competência reservada da Assembleia da República. Ao vício da ilegalidade soma-se, assim, um vício de inconstitucionalidade. O Acórdão entende que, nestas circunstâncias, “a ilegalidade não tem aqui valor paramétrico autónomo”, com a consequência da falta de legitimidade do requerente, em que se funda a decisão de não conhecimento do objeto do pedido. Discordo deste entendimento quanto à forma como se relacionam os dois vícios, em caso de coincidên- cia de normas paramétricas. Esse entendimento tem por detrás de si a ideia, já expressa em Acórdãos anteriores e designadamente no Acórdão n.º 198/00, de que “o vício da inconstitucionalidade consome o de ilegalidade (…)”. Mas creio que a esta diretriz não pode ser reconhecida valência absoluta, estendendo-a mesmo aos pontos em que não há equiparação dos dois regimes, como sucede quanto à legitimidade para requerer a fiscalização abstrata sucessiva. Pretender o contrário leva à conclusão paradoxal (que é a do Acórdão) de que o requerente não pode invocar um vício efetivamente existente (o da ilegalidade) para a arguição do qual a Constituição lhe reconhece legitimidade, pela razão de que se verifica um vício mais grave (o da inconstitucionalidade), o qual, todavia, ele está inibido de invocar, por não dispor de legitimidade – vício este, aliás, que, de acordo com o pedido, estava de todo ausente do processo. E a desrazoabilidade da solução avulta ainda mais quando, como nos presentes autos, o requerente é o Representante da República para a Região Autónoma, o qual se vê, assim, impedido de acionar o controlo da observância da “lei básica” da Região, constante de uma lei da Assembleia da República com valor reforçado – como é a lei estatutária. Sendo a matéria da fixação da competência do Governo Regional indiscutivelmente “estatutária por natureza”, o facto de o legislador, ao regulá-la, ter que obedecer às suas vinculações constitucionais, mesmo a ponto de ter que emitir uma norma coincidente, não rouba à norma estatutária – no plano normativo que é o seu, distinto do plano constitucional − todo o valor jurídico próprio. A norma estatutária não pode ser

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