TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

728 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Para assim concluir, o Tribunal aduziu, no essencial, as seguintes ordens de considerações: «[…] a par da possibilidade de o legislador ordinário atribuir pontualmente a tribunais não administrativos o conhecimento de litígios emergentes de relações jurídicas administrativas, desde que tais “desvios” se mostrem providos de fundamento material razoável e desde que, pelo seu número ou importância, não esvaziem do seu âmago essencial a competência dos tribunais administrativos […], resulta da revisão constitucional de 1989 que a jurisdição administrativa passou a ser a jurisdição “comum” para o conhecimento de litígios emergentes de relações jurídicas administrativas: assim, enquanto anteriormente, nos casos em que não resultava expressamente da lei qual a jurisdição competente para decidir determinada causa, se entendia que eram competentes os “tribunais judiciais”, depois da revisão constitucional de 1989, não existindo norma legal a definir concretamente qual a jurisdição competente, há que indagar qual a natureza da relação jurídica de que emerge o litígio e, se se concluir que possui natureza administrativa, então impõe-se o reconhecimento de que competente é a jurisdição administrativa, como jurisdição “comum” para a apreciação dos litígios emergentes de relações jurídicas administrativas. […] Revertendo ao caso dos autos, pode, desde logo, entender se que a competência da jurisdição adminis- trativa e fiscal para a cobrança coerciva de dívidas a pessoas coletivas públicas encontra suporte nos artigos 62.º, n.º 1, alínea c) , do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de abril) [cor- respondente à alínea o) do mesmo preceito, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 229/96, de 29 de novembro], e no artigo 144.º do Código de Processo das Contribuições e Impostos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 45 005, de 27 de abril de 1963 [correspondente ao artigo 233.º, n.º 2, alínea b) , do Código de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 de abril]. Mas mesmo que se entenda, como se entendeu no Acórdão n.º 90/04, que a atribuição dessa competência dependeria da existência de uma lei especial que tal previsse, o certo é que, de acordo com a posição exposta no ponto precedente, com a entrada em vigor da revisão constitucional de 1989, passaram os tribunais administrati- vos a ser competentes, como tribunais “comuns” para o conhecimento de litígios emergentes de relações jurídicas administrativas, para o tipo de execuções como a ora em causa.)» Contrariamente, no mencionado Acórdão n.º 90/04, em que se analisou uma norma semelhante aplicá- vel às execuções instauradas por dívidas resultantes de programas de ajudas comunitárias (artigo 18.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 96/87, de 4 de março), o Tribunal decidiu, com base no caráter não inovatório da norma atributiva de competência aos tribunais comuns, no sentido da não inconstitucionalidade, argumentando do seguinte modo: «Ora, do regime constante do então (ou seja, à data da prolação do despacho recorrido) vigente Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de abril), não se pode concluir que a totalidade das ações executivas destinadas à obtenção de dívidas devidas ao Estado ou a outras pessoas coleti- vas públicas, fundadas em título executivo extrajudicial – certidão de dívida emitida pelo Estado ou outras pessoas coletivas públicas –, seja da competência dos tribunais administrativos ou fiscais. Na verdade, e talqualmente assinala a entidade recorrente na sua alegação, da conjugação das normas vertidas na alínea c) do n.º 1 do artigo 62.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais [na redação anterior à con- ferida pelo Decreto-Lei n.º 229/96, de 29 de novembro, que é a que releva, atenta a data da edição do diploma que se incorpora a norma em apreço, sendo que, de todo o modo, mesmo depois daquela redação é o mesmo o sentido da alínea o) do n.º 1 do citado artigo 62.º] e no artigo 144.º do Código de Processo das Contribuições e Impostos [que era o vigente à data anteriormente referida, mantendo-se regra de conteúdo idêntico na alínea b) do n.º 2 do artigo 233.º do Código de Processo Tributário], resulta que a competência atribuída aos tribunais tributários de 1.ª instância para a cobrança coerciva de dívidas a pessoas de direito público está dependente da existência de uma lei que tal preveja, salvo quanto à cobrança das custas e multas aplicadas pelos tribunais administrativos e fiscais. Sendo assim, e se não houver ato legislativo específico que preveja que a cobrança coerciva de determinados créditos detidos pelo Estado ou outras pessoas coletivas públicas é da competência dos tribunais fiscais (e isso

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