TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

730 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL aprovada pela Lei n.º 52/2008, de 28 de agosto, e ainda no artigo 40.º, n.º 1, da Lei de Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, atualmente em vigor. Este último diploma, visando estabelecer normas de enquadramento e organização do sistema judiciá- rio, e tendo por isso um âmbito aplicativo mais amplo do que resultava das anteriores leis de orgânicas dos tribunais judiciais, alude também à competência dos tribunais administrativos e fiscais, definindo-os como os tribunais competentes para o «julgamento de litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fis- cais», em consonância com o princípio constitucional resultante do artigo 212.º, n.º 3, da Lei Fundamental e a disposição genérica do artigo 1.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais. Em qualquer caso, a antiga norma do artigo 14.º da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, e todas as normas de idêntico teor que lhe sucederam, mesmo quando surjam em contraposição com outras disposições que definem paralelamente a competência de outras categorias de tribunais, não tem outro sentido útil que não seja o de estabelecer um critério supletivo de atribuição de competência, que deverá ser aplicado sempre que não exista disposição específica a cometer a competência a uma outra ordem jurisdicional. Não resulta daí que o Governo fique dispensado de obter a necessária credencial parlamentar quando, pretendendo legislar sobre matéria de organização e competência dos tribunais, se limite a remeter a compe- tência para conhecer de certo tipo de litígios para os tribunais judiciais. A norma, como a do artigo 8.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 31/94, que atribui competência aos tribunais judiciais para conhecer das execuções instauradas pelo IFADAP para cobrança coerciva de dívidas, é uma norma atributiva de competência específica, implicando que os litígios que passam a ser abrangidos por essa regra de competência, deixam de cair na alçada da norma supletiva, que só funcionaria se não existisse regra própria. E nesse sentido, o diploma emanado pelo Governo introduziu, de facto, uma alteração no ordenamento jurídico, independentemente de saber – questão discutida nos Acórdãos n. os 90/04 e 218/07 – se a cobrança coerciva de dívidas a pessoas coletivas públicas estava ou não já atribuída à jurisdição administrativa. A entender-se, como se entendeu no Acórdão n.º 218/07, que as execuções instauradas com base em certidões de dívida emitidas pelo IFADAP estavam já cobertas pelo artigo 62.º, n.º 1, alínea c) , do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais de 1984, que remete para os tribunais tributários a competência para conhecer de cobrança coerciva de dívidas a entidades públicas, teria de concluir-se que o legislador operou uma alteração em matéria de competência dos tribunais tendo passado a atribuir a uma outra categoria de tribunais a competência que estava já deferida por lei aos tribunais tributários. Mas esse mesmo efeito inovatório também ocorre caso se considere que aquela norma do artigo 62.º, n.º 1, alínea c) , não tem um efeito prescritivo vinculativo por estar ainda dependente de lei que especial- mente contemple essa competência. Isso porque, mesmo nessa eventualidade, o artigo 8.º, n.º 3, do Decreto- -Lei n.º 31/94 veio subtrair à competência supletiva dos tribunais judiciais os litígios que são aí especificados e alterou, nessa medida, o ordenamento jurídico. É indiferente, para aferir do caráter inovatório da norma, que a solução legal viesse a ser idêntica, caso a norma não tivesse sido emitida, por efeito da aplicação do artigo 14.º da Lei Orgânica dos Tribunais Judi- ciais. O ponto é que os processos executivos abrangidos pelo Decreto-Lei n.º 31/94 passaram a ter uma regra de competência específica anteriormente inexistente. 4. Bem se compreende, neste contexto, que possua um reduzido efeito prático, para a resolução do caso, a alteração resultante da revisão constitucional de 1989 quanto à definição do âmbito material da jurisdição administrativa e fiscal. Como ressalta da jurisprudência constitucional, o n.º 3 do artigo 212.º da Constitui- ção, não visou estabelecer uma reserva absoluta de jurisdição no duplo sentido de os tribunais administrati- vos e fiscais só poderem julgar questões de direito administrativo e fiscal e só eles poderem julgar essas ques- tões, sendo constitucionalmente admissíveis desvios desde que sejam materialmente fundados e respeitem o núcleo essencial de cada uma das jurisdições (por todos, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 211/07).

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=