TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

82 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL posições do Estado Português no âmbito do processo de construção europeia”. Por sua vez, e mais precisa- mente, o artigo 229.º, n.º 2, determina que “os órgãos de soberania ouvirão sempre, relativamente a questões da sua competência respeitantes às regiões autónomas, os órgãos de governo regional”. A questão de saber se, no que respeita às alterações introduzidas no Código do IVA, no Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias e alguma legislação complementar, pelo Decreto-Lei n.º 197/2012, de 24 de agosto, o Governo estava obrigado, por imposição da Constituição, à audição da Região deve ser resolvida recorrendo-se ao quadro concetual que, em jurisprudência firme, o Tribunal já estabeleceu. Tal quadro diz respeito ao entendimento a dar ao requisito “questão respeitante às regiões autónomas”, consagrado no já referido n.º 2 do artigo 229.º da Constituição. De acordo com essa jurisprudência, que remonta ao Parecer n.º 20/77 da Comissão Constitucional ( Pareceres da Comissão Constitucional, 2.º Vol., INCM, 1977, pp. 159 e segs.), sendo reiterada posterior- mente em Acórdãos do Tribunal (vide Acórdão n.º 174/09 e jurisprudência aí referida e, por último, o Acórdão n.º 747/14), “[…] são questões da competência dos órgãos de soberania, mas respeitantes às regiões autónomas, aquelas que, excedendo a competência dos órgãos de governo regional, respeitem a interesses predominantemente regionais ou, pelo menos, mereçam, no plano nacional, um tratamento específico no que toca à sua incidência nas regiões, em função das particularidades destas e tendo em vista a relevância de que se revestem para esses territórios”. No caso em apreciação, pode haver dúvidas se, efetivamente, não existirá um especial interesse regional, no que respeita às alterações introduzidas no Código do IVA, no Regime do IVA nas Transações Intracomu- nitárias e alguma legislação complementar, pelo Decreto-Lei n.º 197/2012, de 24 de agosto, que justifique um tratamento específico das Regiões Autónomas, tanto mais que a regulamentação desta matéria teve tra- dicionalmente em consideração as particularidades das Regiões. Mas, independentemente da questão de saber se, nestas circunstâncias, o Governo estava obrigado, por imposição da Constituição, à audição da Região – ou seja, mesmo sem cuidar de se apurar se se tem por verificado o requisito “questão respeitante às regiões autónomas”, consagrado no já referido n.º 2 do artigo 229.º da Constituição – sempre se dirá que, no procedimento legislativo, o legislador nacional deu à Região Autónoma a oportunidade de se pronunciar, devendo a consulta ter-se por cumprida. 9. Nos Acórdãos n. os 670/99, 529/01, 130/06, 551/07 e 346/08, o Tribunal Constitucional ocupou-se da questão de saber como, e em que momento, deve essa audição ser realizada. Estabelece a citada jurisprudência que sempre que se considere que certa matéria, a regular em procedi- mento legislativo de âmbito nacional, apresenta para a região uma particularidade relevante, o dever estadual de audição dos órgãos regionais não poderá, ao longo desse procedimento, cumprir-se de um qualquer modo ou realizar-se de uma qualquer maneira. As razões pelas quais a Constituição impõe, aos órgãos do Estado, este dever de audição, exigem ainda que ele se cumpra em um momento adequado, de forma a conferir sen- tido útil e eficácia à participação das regiões na tomada de decisão estadual. Na verdade, o dever de audição a que se refere o artigo 229.º, n.º 2, da Constituição não pode deixar de ser interpretado à luz do princípio de cooperação dos órgãos de soberania e dos órgãos regionais, do qual emerge, como manifestação ou corolário, a participação das regiões em procedimentos legislativos nacionais que especialmente lhes interessem. Neste sentido, o valor inestimável do “ponto de vista regional” é, simulta- neamente, um poder ou uma prerrogativa – o direito a ser ouvido no âmbito de um procedimento legislativo nacional – e um dever – o dever de contribuir para a correta representação do interesse público primário por parte do órgão legislativo nacional, levando ao processo legislativo elementos de facto ou valorações de interesses específicos das regiões que, de outra maneira, do órgão nacional seriam desconhecidos ou para os quais esse órgão não estaria suficientemente sensibilizado. Em procedimentos legislativos complexos, em que as decisões fundamentais quanto ao regime a defi- nir se não tomam em um só momento mas se vão tomando em fases consecutivas, importa assegurar que

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