TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

83 acórdão n.º 800/14 a audição regional ocorra naquela fase do procedimento em que mais ampla é a liberdade de conformação do legislador nacional. Se assim não acontecer, compromete-se o sentido útil e a eficácia da participação da região no processo deliberativo estadual. No caso, a liberdade de conformação do legislador nacional encontrava-se à partida consideravelmente limitada. Como já se viu, o Decreto-Lei n.º 197/2012, de 24 de agosto, ao transpor para a ordem jurídica interna duas diretivas europeias, incorporou decisões que na sua raiz não resultaram apenas de deliberações internas, tomadas exclusivamente pelos órgãos estaduais. Contudo, e visto que a sua modelação final não dispensou (atenta a própria natureza dos atos normativos externos ao Estado português que o decreto-lei se encarregou de transpor) um processo de deliberação nacional, o dever de audição da região deveria ter sido cumprido na fase em que tal deliberação, real e efetivamente, se tomou. E não parece haver dúvidas que essa fase ocorreu no momento em que, através de lei da Assembleia da República, se autorizou o Governo a legislar, no sentido de “proceder à transposição para a ordem jurídica interna do artigo 4.º da Diretiva n.º 2008/8/CE, do Conselho, de 12 de fevereiro, que altera a Diretiva n.º 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro, no que respeita ao lugar das prestações de serviços.” Esta autorização foi concedida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2012. No artigo 128.º dessa mesma lei definiu-se, de acordo com as exigências constitucionais (artigo 165.º, n.º 2, da Constituição), o sentido e a extensão da autorização concedida. Foi portanto aí, nesse preciso momento, que o programa normativo a seguir posteriormente pelo legislador governamental ficou exausti- vamente planeado, e foi nesse momento que, numa lógica de cooperação entre Estado e regiões, se deu às regiões a oportunidade de contribuírem com o “ponto de vista” regional para a correta formação da decisão legislativa nacional. 10. Assim, mesmo que não resolvida a dúvida sobre a existência de um dever estadual de audição dos órgãos regionais que resulte da presença de um “interesse específico” ou de uma “particularidade relevante para a região” na matéria objeto do ato legislativo, a verdade é que o procedimento legislativo que conduziu à aprovação do Orçamento do Estado de 2012 possibilitou a participação dos órgãos das regiões autónomas. A consulta ocorreu logo no início do procedimento, aquando da apresentação à Assembleia da Repú- blica da Proposta de Lei n.º 27/XII ( Diário da Assembleia da República , II Série-A, n.º 47/XX/1, de 17 de outubro de 2011), cujo artigo 120.º (sob a epígrafe «Autorizações legislativas no âmbito do IVA») coincidia integralmente, na sua redação, com o artigo 128.º da Lei do Orçamento. Sobre esta redação – como sobre toda o restante texto da proposta de lei – foram ouvidos os órgãos das regiões autónomas. Do Parecer emi- tido pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira quanto a todo o texto da proposta de lei orçamental, datado de 7 de novembro, (disponível em http://www.parlamento.pt ) , não consta nenhuma apre- ciação da autorização legislativa concedida ao Governo da República nos termos do artigo 120.º Resulta claro, portanto, que, independentemente de considerações acerca da particularidade relevante da matéria para a Região Autónoma, os órgãos regionais tiveram oportunidade de se pronunciar, no momento adequado, sobre a matéria que viria a ser regulada pelo Decreto-Lei n.º 197/2012, de 24 de agosto, sem que nada, nessa altura, tivesse sido dito pelos órgãos da Região Autónoma da Madeira a este propósito Tanto bastará para que se tenha por cumprida a audição. Com efeito, confrontando o teor do artigo 128.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, com o conteúdo do Decreto-Lei n.º 197/2012, de 24 de agosto, verifica-se que o decreto legislativo governamental não contém matéria inovatória relativamente ao conteúdo da lei de autorização legislativa. A este propósito, e quanto às exigências decorrentes do artigo 165.º, n.º 2, da Constituição, quanto à fixação pela lei de autorização legislativa do sentido a seguir pelo eventual, e futuro, decreto-lei autorizado, escreveu-se no Acórdão n.º 421/09, fazendo referência ao Acórdão n.º 358/92, que «[p]ara além da possi- bilidade, radical, de ausência absoluta, na norma habilitante, de qualquer indirizzo material que oriente a

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=