TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

84 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL atuação governamental, o sentido de uma autorização legislativa será insuficiente sempre que as orientações ou diretivas endereçadas ao Governo não atingirem, pelo seu conteúdo, um grau exigível de densidade ou determinação. Para estes efeitos, considerou o Tribunal que a questão de saber quando – ou a partir de que “momento” – teria uma autorização legislativa atingido o grau exigível de determinabilidade de sentido se deveria resolver tendo em conta três critérios ou três perspetivas cumulativas. Em primeiro lugar, e da pers- petiva do habilitante, deveria a autorização ser suficientemente clara de modo a que dela se depreendesse quais teriam sido as decisões básicas, tomadas pelo Parlamento, quanto à estruturação essencial da disciplina jurídica que viria a ser, definitivamente, conformada pelo Governo. Em segundo lugar, e da perspetiva do habilitado, deveria a autorização ser suficientemente clara de modo a que através dela se pudesse vir a dis- tinguir entre as matérias sobre as quais impenderia, quanto ao Governo, uma vinculação (não lhe sendo deixado em relação a elas qualquer espaço de liberdade de conformação legislativa), e as matérias em que o legislador governamental deteria, ainda, alguma margem de discricionariedade conformadora. Em terceiro lugar, e na perspetiva do cidadão, deveria a autorização legislativa ser suficientemente clara de modo a que a partir dela se pudesse vir a prever, mediante o programa normativo a preencher pelo decreto-lei autorizado, qual o sistema básico de direitos e obrigações que decorreria da nova disciplina jurídica, finalizada por ação governamental». Assim, e regressando à questão colocada a este Tribunal, ainda que pudesse estar em causa um “interesse específico” ou uma “particularidade relevante para a região”, só seria de exigir-se a realização da audição dos órgãos regionais quanto ao conteúdo do decreto-lei autorizado se o legislador governamental, perante o input resultante de uma eventual audição dos órgãos regionais, dispusesse ainda, sob pena de aquela se revelar um ato totalmente inútil, de alguma margem de liberdade conformadora relativamente à matéria objeto do decreto legislativo autorizado. Simplesmente, atendendo ao grau de precisão da disciplina jurídica constante do artigo 128.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, dessa liberdade de conformação não dispunha o legislador governamental na matéria regulada pelo Decreto-Lei n.º 197/2012, de 24 de agosto. Analisando a presente questão conclui-se que, ainda que se viesse a considerar que a audição era consti- tucionalmente devida, a verdade é que aos órgãos da Região Autónoma da Madeira foi dada a oportunidade de concorrerem para a formação do interesse público primário, já que foram chamados a pronunciarem-se no momento em que a audição podia efetiva e valiosamente contribuir para a definição do conteúdo do programa normativo, sem que nada, nessa altura tivesse sido dito pelos órgãos regionais, perdendo todo o sentido a realização dessa audição num momento em que o legislador governamental está constitucional- mente impedido (artigos 165.º, n.º 2, e 112.º, n.º 2, da Constituição) de se desviar do conteúdo da lei de autorização legislativa. Tal significa que se deve considerar realizada a audição. Assim sendo, e independentemente da existência de um dever de audição dos órgãos regionais que pudesse decorrer da natureza da matéria objeto do Decreto- -Lei n.º 197/2012, não pode ter-se por verificada qualquer violação do artigo 229.º, n.º 2, da Constituição. III – Decisão Nos termos e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide não declarar a inconstitu- cionalidade das normas do Decreto-Lei n.º 197/2012, de 24 de agosto. Lisboa, 26 de novembro de 2014. – Ana Guerra Martins – João Pedro Caupers – Fernando Vaz Ventura – Maria Lúcia Amaral (com declaração) – José Cunha Barbosa – Carlos Fernandes Cadilha – Maria de Fátima Mata-Mouros – Lino Rodrigues Ribeiro – Catarina Sarmento e Castro – João Cura Mariano – Maria José Rangel de Mesquita – Pedro Machete – Joaquim de Sousa Ribeiro.

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