TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

99 acórdão n.º 581/14 – e a de não pagamento da renda por carência de meios. No primeiro caso, nada mais há que fazer do que esclarecer a situação e, sendo caso disso, executar o despejo. (…) No segundo caso, impõe-se ao senhorio uma moratória não superior a doze meses. Ponderou-se que todo aquele que é proprietário de uma casa de habitação sabe que adquiriu um bem que desempenha uma função social. Trata-se, aliás, de um sacrifício mais aparente que real, já que é ressarcido, sempre que o inquilino as não pague, pelo pagamento das rendas correspondentes à duração da moratória através do Instituto da Família e Ação Social, do Ministério dos Assuntos Sociais. (…)». O regime jurídico-processual do “diferimento da desocupação”, designadamente as suas alterações, foi sempre objeto de inserção em legislação de arrendamento urbano (cfr. Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de outubro), até que, pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro (também ela legislando sobre arrendamento urbano), foi o mesmo inserido no âmbito do processo civil, mais propriamente na Sub- secção III do Código de Processo Civil – Da execução para a entrega de coisa certa, através da adição dos arti- gos 930.º-C e 930.º-D, sem embargo de as posteriores alterações ao mesmo regime jurídico-processual terem vindo a ser introduzidas por legislação produzida no âmbito do arrendamento urbano – cfr. artigo 3.º da Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto (procede à revisão do regime jurídico do arrendamento urbano, alterando o Código Civil, o Código de Processo Civil e a Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro), podendo, assim, concluir- -se pela sua estreita ligação com o regime jurídico do arrendamento urbano. Todavia, como é óbvio, tal não obsta a que o legislador, no seu amplo poder de conformação da lei, pudesse ou possa determinar, legislando nesse sentido, a sua aplicabilidade no âmbito do regime jurídico do arrendamento rural (atualmente, previsto no Decreto-Lei n.º 294/2009, de 13 de outubro, que revogou o Decreto-Lei n.º 385/88, de 25 de outubro). Entendeu-se, na decisão impugnada, que o incidente de “diferimento da desocupação” de imóvel arren- dado para habitação (previsto nos artigos 930.º-C e 930.º-D do Código de Processo Civil) não é aplicável à execução para entrega de coisa certa de prédio rústico dado de arrendamento rural, ainda que este abranja a habitação do arrendatário, do que discorda o recorrente, apodando tal entendimento de violador da Consti- tuição nos termos já supra referidos, ou seja, do princípio da igualdade e dos artigos 64.º e 65.º daquela Lei Fundamental. Vejamos. 8. O princípio da igualdade tem sido objeto de vasta jurisprudência do Tribunal, e, como se afirma no Acórdão n.º 569/08 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt ) , importa, desde logo, notar que: «(…) – enquanto vínculo específico do poder legislativo (pois só essa sua ‘qualidade’ que agora nos interessa), o princípio da igualdade não tem uma dimensão única. Na realidade, ele desdobra-se em duas «vertentes» ou «dimensões»: uma, a que se refere especificamente o n.º 1 do artigo 13.º, tem sido identificada pelo Tribunal como proibição do arbítrio legislativo; outra, a referida especialmente no n.º 2 do mesmo preceito constitucional, tem sido identificada como proibição da discriminação. Em ambas as situações está em causa a dimensão negativa do princípio da igualdade. Do que se trata – tanto na proibição do arbítrio quanto na proibição de discriminação – é da determinação dos casos em que merece censura constitucional o estabelecimento, por parte do legislador, de diferenças de tratamento entre as pessoas. Mas enquanto, na proibição do arbítrio, tal censura ocorre sempre que (e só quando) se provar que a diferença de tratamento não tem a justificá-la um qualquer fundamento racional bastante, na proibição de discriminação a censura ocorre sempre que as diferenças de tratamento introduzidas pelo legislador tiverem por fundamento algumas das características pessoais a que alude – em elenco não fechado – o n.º 2 do artigo 13.º É que a Constituição entende que tais características, pela sua natureza, não poderão ser à partida fundamento idóneo das diferenças de tratamento legislativamente instituídas. (…)». No caso presente, o recorrente pretende que ocorre violação do princípio da igualdade na medida em que a norma sub judice , considerada necessariamente em função da interpretação atribuída pela decisão impugnada, o legislador estabeleceu diferenças de regime que não deveria ter estabelecido, porquanto trataria

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