TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

109 acórdão n.º 576/15 4. Desde logo, é claro que a perspetiva de médio e longo prazo não quadra ao horizonte temporal limi- tado da Lei n.º 75/2014, de 12 de setembro. Mas, mais radicalmente, verifica-se que o objetivo da autossustentabilidade financeira do sector público empresarial (SPE) globalmente considerado não pode ser alcançado sem mecanismos internos de transferên- cia entre as empresas do mesmo sector. Na ausência de tais mecanismos – os quais pura e simplesmente não se encontram previstos nem na Lei n.º 75/2014, de 12 de setembro, nem nas leis orçamentais dos anos 2011 a 2015 –, a única perspetiva admissível é a da autossustentabilidade financeira de cada uma das empresas desse sector: cada empresa pública é que é reclassificada ou não; e cada uma delas é que apresenta uma estru- tura financeira equilibrada ou não. Ou seja, a consideração do impacto orçamental não pode ser sectorial, mas terá de considerar o caso particular de cada empresa. O que vale para as empresas reclassificadas, não vale necessariamente para as empresas não reclassificadas. E no respeitante a estas últimas, haverá que diferenciá- -las em razão da sua situação financeira e da sua atividade: como justificar a medida sindicada em relação a empresas financeiramente sustentáveis ou a empresas financeiramente equilibradas que não prestem serviços de interesse geral suscetíveis de indenizações compensatórias? Com efeito, a redução remuneratória em apreço não se caracteriza nem como uma medida de natureza estrutural – do tipo das que foram analisadas pelo Acórdão n.º 260/05 – nem visa contribuir para a racio- nalização do sector público empresarial; o seu objetivo é mais limitado e circunscrito à redução da despesa pública nos anos de 2014 e 2015. E, em vista de tal fim, o Acórdão não é convincente quanto às empresas não reclassificadas. Em espe- cial, a finalidade orçamental a realizar naqueles dois anos não é garantida exclusiva e necessariamente pela eventual diminuição do passivo ou pelo aumento de dividendos (cfr. o n.º 19), já que nem o financia- mento público das empresas tem como consequência necessária uma despesa pública corrente; aliás esse financiamento, tratando-se de empresas públicas, deve traduzir apenas uma despesa de investimento. E os eventuais resultados negativos de tais empresas não têm de se traduzir em endividamento do Estado; tudo depende das causas, não se podendo excluir uma recuperação de resultados em exercícios subsequentes, eventualmente suportado no endividamento autónomo da própria empresa. Do mesmo modo, os even- tuais resultados positivos dessas empresas também não têm de ser distribuídos sob a forma de dividendos; e se o forem, corresponderão a receitas extraordinárias da entidade pública participante. Outras opções possíveis para a aplicação de tais resultados positivos serão a constituição de reservas ou o reinvestimento na própria empresa. Pelo exposto, a afirmação de que “a redução das remunerações mensais base dos trabalhadores do setor público empresarial, quando em si mesma considerada – isto é, ainda que desacompanhada de qualquer ins- trumento de reporte −, não deixa de constituir, pelos efeitos que imediatamente se lhe associam, um meca- nismo de diminuição dos gastos operacionais suportados por tais empresas, contribuindo para a respetiva autossustentabilidade financeira e, por essa via, para a diminuição de uma projeção negativa no equilíbrio orçamental do Estado” (n.º 19) não é exata, mesmo fora do horizonte temporal constituído pelos anos de 2014 e 2015; aliás, relativamente a esse mesmo horizonte, verifica-se, isso sim, que a diminuição dos gastos operacionais das empresas públicas não reclassificadas, só por si – ou seja, desacompanhada de adequadas decisões de gestão ao nível de cada empresa ou de mecanismos legais de reporte direto ou indireto – é inócua ou indiferente para ter um impacto orçamental direto, seja pelo lado das receitas, seja pelo lado das despesas. De qualquer modo, o tratamento indiferenciado em vista do fim concretamente em causa de todas as empresas públicas não reclassificadas, independentemente da sua situação operacional e financeira particular, representa para os respetivos trabalhadores – todos tratados de modo igual – uma carga injustificada e, como tal, desnecessária. – Pedro Machete.

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