TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015
115 acórdão n.º 595/15 VII – Contudo, apesar de amplo, o poder de conformação que nestes termos assiste ao legislador ordiná- rio encontra-se naturalmente sujeito aos limites que decorrem da própria garantia constitucional da natureza coletiva ou cívica do domínio incidente sobre aqueles bens comunitários: na medida em que a Constituição atribui às comunidades locais, enquanto comunidades de habitantes, a titularidade e a posse útil dos baldios, o legislador, ao definir o universo dos membros integrantes dessas comunida- des, não o poderá fazer em termos de tal modo amplos e abrangentes – como sucederia, desde logo, se o fizesse à escala do país, tornando todos os cidadãos nacionais compartes de todos os baldios exis- tentes em território nacional, apenas em função dessa sua qualidade – que, retirando materialidade à coletividade-referência ou esbatendo a sua densidade, a convertam numa realidade intangível e difusa e, por via disso, num mero simulacro do conceito de comunidade. VIII– A questão de constitucionalidade suscitada em torno das alterações introduzidas pela Lei n.º 72/2014 no n.º 3 do artigo 1.º da Lei n.º 68/93, está assim em saber se, conferindo uma dimensão necessaria- mente mais ampla e abrangente à coletividade cívica, o novo critério pode esvaziar e fazer perder de vista a natureza materialmente comunitária que a Constituição assegura àqueles meios de produção. IX – Ora, o alargamento do universo de compartes a todos os cidadãos eleitores, inscritos e residentes na comunidade local em que aqueles bens se situem ou que aí exerçam determinada atividade, parecendo plenamente imputável ao propósito de ajustar o regime legal dos baldios às novas formas de explora- ção que atualmente incidem sobre aquele tipo de bens comunitários – na medida em que se contém dentro dos limites resultantes da correspondência, desde sempre admitida, entre as comunidades de condóminos e o substrato pessoal dos entes territoriais respetivos, as freguesias –, assegura ainda à coletividade-referência uma dimensão compatível com o arquétipo de comunidade. X – Esse juízo não é contrariado pela revisão dos limites territoriais das circunscrições correspondentes às freguesias, resultantes da reorganização administrativa territorial autárquica, pois apesar de a cir- cunscrição correspondente à freguesia ser hoje mais ampla, o alargamento do universo de compartes a todos os residentes na comunidade aí inscritos levado a cabo pela Lei n.º 72/2014 continua a ter sub- jacente, até pelos critérios que foram seguidos na reorganização administrativa que conduziu àquela agregação, uma ideia suficientemente tangível de comunidade, não sendo de modo a pôr em causa, do ponto de vista substantivo, o caráter comunitário constitucionalmente associado à titularidade do domínio e da posse incidentes sobre aqueles meios de produção. XI – Em suma: a reconfiguração do conceito de comparte resultante das alterações introduzidas pela Lei n.º 72/2014, para além de encontrar fundamento num conjunto de razões hoje reconhecidas na dou- trina, não só não compromete a distinção, constitucionalmente salvaguardada, entre o domínio cívico e o domínio público, como não amplia os limites da coletividade-referência ao ponto de comprometer a natureza comunitária daqueles meios de produção; é tanto mais assim quanto é certo que, nem a Constituição impõe, nem desta natureza diretamente deriva, qualquer obrigação de atribuição àquela coletividade do poder de se autoconfinar, com recurso aos usos e costumes, a um núcleo mais restrito de elementos com base numa relação com os baldios costumeiramente diferenciável. XII – Sendo este também o fundamento que inviabiliza a possibilidade de considerar constitucionalmente imperativo o regime competencial e procedimental relativo ao recenseamento de compartes previsto nos artigos 15.º, n.º 1, alínea c) , 21.º, alínea b), e 33.º, todos da Lei n.º 68/93, na sua versão origi- nária, deverá concluir-se, assim, pela não inconstitucionalidade, não apenas da norma constante do
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