TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015
119 acórdão n.º 595/15 3. Durante a ditadura (1926-1974), foi autorizada a venda de parcelas dos baldios pelas autarquias, com vista à obtenção de verbas para a realização de obras, retirando-os às respetivas populações que, privadas destes, perdiam pastos para o gado, estrumes para as terras, lenhas para se aquecerem e meios de sustento, sendo muitos milhares de populares empurrados para a migração interna ou externa. 4. Com a Revolução de 25 de abril de 1974, foi devolvido aos povos serranos do Norte e Centro do país o direito histórico de uso, fruição e administração dos seus baldios. Assim, o Decreto-Lei n.º 39/76, e o Decreto-lei n.º 40/76, ambos de 19 de janeiro “(…) operaram a restituição dos terrenos baldios às comunidades que deles foram desapossados pelo Estado, correspondendo-se assim a uma reivindicação antiga e constante dos povos, ocasionando-se por essa forma três mudanças jurídicas essenciais: (1) pôs-se fim à administração dos baldios pelas autarquias locais, transferindo-a para as comunidades de compartes; (2) determinou-se a restituição dos baldios de que o Estado se apossara para a florestação; (3) estipulou-se a recuperação dos baldios indevidamente apropriados por particulares (…). “(Ver Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 240/90). 5. A lei n.º 68/93, de 4 de setembro, denominada “Lei dos Baldios” (que revogou os decretos-lei n.º 39/76 e n.º 40/76, de 19 de janeiro) passou a definir baldios como os terrenos possuídos e geridos por comunidades locais, o que se mantem aliás na redação dada pela lei n.º 72/2014, de 2 de setembro. 6. A definição de baldios encontra-se profundamente ligada à definição de comparte, ou seja, quem dentro de uma determinada comunidade local tem direito de uso e fruição do baldio. Este forma-se através dos usos e costumes das comunidades locais, para pastar os gados, recolher a lenha, colocar colmeias, ou seja, uma infindável gama de tarefas que complementam ou garantemmesmo o rendimento desses compartes, isto é, desses elementos da comunidade local. 7. O decreto-lei n.º 39/76, de 19 de janeiro, define que são compartes “os moradores que exerçam a sua ati- vidade no local e que, segundo os usos e costumes reconhecidos pela comunidade, tenham direito à sua fruição” (artigo 4.º). No mesmo sentido, o artigo 1.º da lei n.º 68/93, de 4 de setembro, considera comparte o morador de uma ou mais freguesia ou parte dela que, segundo os usos e costumes, tem direito ao uso e fruição do baldio. 8. Deste modo, na vigência da lei n.º 68/93, de 4 de setembro, eram os costumes e usos que definiam, dentro das comunidades locais e, segundo a especificidade de cada uma delas, quem tinha direito ao uso e fruição do baldio, verificando-se que as condições para se ser comparte de um baldio variam e sempre variaram de região para região de acordo com os usos e costumes de cada uma. 9. A lei n.º 72/2014, de 2 de setembro, altera profundamente a definição de compartes considerando-os “todos os cidadãos eleitores, inscritos e residentes nas comunidades locais onde se situam os respetivos terrenos baldios ou que aí desenvolvem uma atividade agroflorestal ou silvo pastoril”, tal como “os menores emancipados que sejam residentes nas comunidades locais onde se situam os respetivos terrenos baldios”. Assim, a par do alargamento do âmbito subjetivo de baldio, com a extensão do direito ao uso e fruição dos baldios a todos os eleitores, inscritos e residentes nas comunidades locais, elimina-se o costume e o uso como forma de delimitação desse âmbito. 10. Segundo a lei n.º 13/99, de 22 de março, na redação dada pela lei n.º 47/2008, de 27 de agosto, que estabelece o novo regime jurídico do recenseamento eleitoral, considera-se que a circunscrição eleitoral é a corres- pondente à morada que se obtém a partir do cartão de cidadão, sendo esta, segundo o previsto no artigo 1.º da Lei n.º 7/2007, de 5 de fevereiro (que cria o cartão de cidadão e rege a sua emissão e utilização), o “endereço postal físico, livremente indicado pelo cidadão, correspondente ao local de residência onde pode ser regularmente contac- tado”. Presume-se assim, que seja esta a definição de residência a que se refere a lei n.º 68/93, de 4 de setembro, na redação da Lei n.º 72/2014, de 2 de setembro, e por conclusão, a definição de comparte, já que, sublinhe-se, a lei considera agora que será comparte todo o cidadão eleitor, inscrito e residente na comunidade local. 11. É importante também referir que com a aprovação da lei n.º 11-A/2013, de 28 de janeiro, que procede à reorganização administrativa do território das freguesias, ou seja, que procedeu à união de diversas freguesias, com a extinção de muitas, os limites territoriais dos baldios alteraram-se. O mesmo acontece com o número de eleitores que agora existem em cada união de freguesias, sendo que, a título de exemplo, onde antes existiam 100 eleitores passam agora a 250 e, segundo a nova redação da Lei dos Baldios, todos estes eleitores são agora possuidores do estatuto de compartes e assim como direito a fruir dos baldios, mesmo aqueles que nem conhecem ou não tem interesse em conhecer ou explorar o baldio.
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