TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

120 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 12. A lei n.º 72/2014, de 2 de setembro, ao retirar os costumes e os usos como formadores do direito de uso e fruição dos baldios, e assim delimitar o estatuto de comparte, faz com que muitos cidadãos que anteriormente não seriam considerados compartes agora o sejam unicamente por serem eleitores dessa freguesia. 13. Importa referir que no artigo 33.º da lei n.º 68/93, de 4 de setembro, previa-se o recenseamento dos compartes, ou seja, a identificação dos moradores dentro da comunidade local com direito sobre o baldio e assim considerados compartes. Em caso de esse recenseamento não existir, eram várias as iniciativas progressivamente diligenciadas, sendo em último caso utilizado o recenseamento eleitoral dos residentes da comunidade local para a definição de quem era comparte, mas sempre com as adaptações e correções aprovadas em Assembleia de Compar- tes, para que, deste modo não usufruísse deste estatuto quem não teria direito a ele. Desta forma, verifica-se que o legislador considerou que não eram todos os eleitores, inscritos e residentes que deveriam ser considerados compar- tes, mas apenas aqueles a que segundo os usos e costumes a isso tinham direito. Todavia, este recenseamento, acaba por ser revogado, tal como todas as normas que a ele façam alusão [alínea c) do artigo 15.º e alínea b) do artigo 21.º] com a aprovação da lei n.º 72/2014, de 2 de setembro. 14. E não se compreende a razão de se atribuir o estatuto de comparte aos menores emancipados. Se um menor, segundo os usos e costumes, não teria o estatuto de comparte, não se entende como, só pelo facto de ser emanci- pado, lhe seja dado esse estatuto de forma automática e, no entender dos requerentes, arbitrária, dado que nem no preâmbulo do projeto de lei n.º 528/XII/3.ª (que deu origem à Lei sub judice ) se aclaram as razões do alargamento do âmbito subjetivo do baldio ou a integração do menor emancipado no mesmo. 15. O artigo 82.º da Constituição define os três setores de propriedade dos meios de produção: o setor público, constituído pelos meios de produção pertencentes ao Estado e outras entidades públicas; o setor privado, cons- tituído pelos meios de produção cuja propriedade ou gestão pertence a pessoas singulares ou coletivas; o setor cooperativo e social que compreende os meios de produção possuídos e geridos por cooperativas, por comunidades locais, pelos meios de produção objeto de exploração coletiva por trabalhadores e pelos meios de produção possuí- dos e geridos por pessoas coletivas. 16. Os baldios são considerados bens comunitários. Nos termos referidos no Acórdão do Tribunal Constitucio- nal n.º 325/89, é “indiscutível não poderem levantar-se dúvidas sérias acerca da necessária referência dos baldios à categoria constitucional dos bens comunitários, tendo sido essencialmente em vista dos baldios que se formaram os preceitos constitucionais relativos aos bens comunitários. Isso decorre naturalmente do contexto histórico da formação da parte económica da Constituição a esse respeito, da evidente ligação entre o conceito constitucional de «bens comunitários» e a definição dos baldios constante do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 39/76 («terrenos comunitariamente usados e fruídos»), bem como com o conceito de «coisas comuns» do Código Civil de 1987, cuja componente principal eram justamente os baldios”. 17. Também segundo o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 96/12, “pode afirmar-se que os baldios consti- tuem o núcleo essencial e imprescindível dos «meios de produção comunitários, possuídos e geridos por comunida- des locais» integrados no setor de propriedade cooperativo e social, pertencendo a essas comunidades, comunidades de «vizinhos» ou «compartes», que não se confundem com comunidades territoriais autárquicas, não apenas a posse e gestão, mas também a própria titularidade dominial desses meios de produção. Desta forma, (…) a revisão de 1989 (…) trouxe para estes bens um acréscimo da sua autonomia enquanto bens integrados no setor cooperativo e social, autonomia essa que há de traduzir-se num reforço da dominialidade comunitária ou cívica dos baldios. (…) Estes meios de produção comunitários (nos quais se incluem os baldios) são imputáveis, quanto à titularidade- -dominial, a uma coletividade-comunidade que não se confunde com as coletividades territoriais autárquicas. Esta titularidade dominial é dos povos, utentes, vizinhos ou compartes e não já das freguesias ou grupos de freguesias. 18. A comunidade local é o universo dos compartes. Não se confunde comunidades locais com comunidades territoriais autárquicas, assim como também não se pode considerar equivalente compartes e todos os cidadãos de eleitores, inscritos e residentes de determinada freguesia, pois esta equivalência pode não corresponder à realidade concreta. A norma que refere quem pode aceder ou não ao estatuto de comparte não pode ser limitada a quem é eleitor de uma determinada freguesia, mas deve ser integrada na ordem social, segundo o que na realidade concreta se considera comparte e quem segundo os costumes e usos é considerado comparte para um determinado baldio.

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