TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

121 acórdão n.º 595/15 19. Os baldios são bens comunitários de que os compartes de um ou mais povoados podem tirar proveito de acordo com a natureza do terreno e respeitando os usos. Assim quando se integram todos eleitores de uma deter- minada freguesia no estatuto de comparte, esvazia-se o papel de garantia constitucional desses bens comunitários. Caso o direito ao uso do baldio seja alargado a todos os eleitores, simplesmente pelo facto de estarem inscritos nessa freguesia, o bem deixa de ser comunitário (por não ser fruído por uma comunidade local restrita, segundo os costumes da comunidade), podendo ser considerado um bem próprio de determinada freguesia, unicamente por razões de ordenamento territorial, independentemente das necessidades das populações que consuetudinariamente exploram determinado terreno para sua sobrevivência. 20. Este alargamento poderá até resultar na usurpação das competências da assembleia de compartes pelos órgãos da freguesia. Ora, como refere o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 96/12, “os baldios não são matéria que, à partida, deva ser considerada de poder local. Havendo Assembleia de Compartes é a esta que, como conjunto de com- partes de um bem comunitário gerido e possuído peia comunidade, e não aos eleitores recenseados que cabe decidir as questões que aos baldios respeitem. E nem se diga que uma eventual coincidência do universo dos compartes como o dos eleitores recenseados (…) permitiria metamorfosear cidadão eleitores interessados na coisa pública em compartes de uma propriedade comunal. (…) os baldios pertencem à comunidade dos vizinhos e não aos fregueses.” 21. A alteração prevista no artigo 1.º da lei n.º 68/93, de 4 de setembro, na redação dada pela lei n.º 72/2014, de 2 de setembro, toma possível o conflito entre o que é da titularidade dos compartes e da titularidade da junta de freguesia pois, com o alargamento do estatuto de comparte a todos os eleitores de uma freguesia, não havendo assim a separação de quem é ou não legítimo comparte, a junta de freguesia ao ser representativa de todos os eleito- res e consequentemente de todos os compartes, pode administrar o baldio como se tivesse a titularidade do mesmo, ou seja, como se de um bem privado da freguesia se tratasse. 22. Deste modo o alargamento do âmbito subjetivo dos baldios subverte o definido no artigo 82.º, número 4, alínea b) da Constituição ao permitir que bens comunitários sejam possuídos e geridos por entidades públicas como é a junta de freguesia, esvaziando assim o significado desta norma o que, segundo a jurisprudência vertida no Acórdão n.º 325/89, é inconstitucional pois não pode a lei transferir para os órgãos da freguesia a administração dos baldios. 23. Pelos motivos expostos, consideram os requerentes que os n. os 3 e 4 do artigo 1.º da lei n.º 68/93, de 4 de setembro, na redação dada pela lei de n.º 72/2014, de 2 de setembro são inconstitucionais por violação do disposto na alínea b) , do n.º 4 do artigo 82.º da Constituição. Da inconstitucionalidade do artigo 10.º 24. Como já foi referido, foi essencialmente em vista dos baldios que se formaram os preceitos constitucionais relativos aos bens comunitários, decorrendo do contexto histórico da formação da parte económica da Constituição. 25. Os decretos-lei n.º 39/76 e n.º 40/16, ambos de 19 de janeiro, concretizaram a devolução às respetivas comunidades dos baldios em que o Estado definira formas de aproveitamento e que se encontravam na sua posse, e daqueles que eram indevidamente apropriados por particulares. 26. Deste modo, o decreto-lei n.º 39/76, de 19 de janeiro, afirma no artigo 2.° que “os terrenos baldios encon- tram-se fora do comércio jurídico, não podendo, no todo ou em parte, ser objeto de apropriação privada por qualquer forma ou título, incluída a usucapião”. Já o decreto-lei n.º 40/76, de 19 de janeiro acrescenta que “os atos ou negócios jurídicos que tenham por objeto a apropriação de terrenos baldios ou parcelas de baldios por particulares, bem como as subsequentes transmissões que não forem nulas, são, nos termos do direito, anuláveis a todo o tempo.” 27. Seguidamente, a lei n.º 68/93, de 4 de setembro, revoga os dois decretos-lei supra mencionados, porém mantêm a regra da inalienabilidade dos baldios e a proibição da posse privada sobre eles e consequentemente a sua apropriação por usucapião por privados. No artigo 4.º prevê que “os atos ou negócios jurídicos de apropria- ção ou apossamento, tendo pôr objeto terrenos baldios, bem como da sua posterior transmissão, são nulos, nos termos gerais do direito, exceto nos casos expressamente previstos na presente lei, ou seja, nos casos previstos no artigo 10.º prescrevendo no n.º 1 que “os baldios podem ser objeto, no todo ou em parte, de cessão de exploração, nomeadamente para efeitos de povoamento ou exploração florestal salvo nas partes do baldio com aptidão para

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