TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

124 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 13. E pergunta-se: Será que um grupo de novos residentes e eleitores inscritos, pode passar a ter direitos e fazer prevalecer a sua vontade sobre o destino de um determinado baldio que nunca utilizou ou usufruiu, ao lado de todos aqueles compartes que, ao longo de anos, o geriram e usaram coletivamente e, ainda para mais, independen- temente da sua vontade? Será esta conceção compatível com a salvaguarda constitucional que protege a proprie- dade social de meios de produção? Cremos que não. 14. Cumprirá por isso escrutinar esta modificação na definição do universo de compartes, com um alargamento potencial e independente dos usos e costumes associados a determinado baldio que em nosso entendimento não é compatível com o disposto nos preceitos constitucionais do artigo 80.º alínea f) e artigo 82.º n.º 4 alínea b) da CRP. II – Da utilização dos baldios para arrendamento 15. Outra modificação introduzida no regime dos Baldios pela Lei n.º 72/2014, de 2 de setembro, diz respeito à possibilidade de sujeitar estes terrenos a arrendamento. 16. Com efeito, através dos novos artigo 4.º, n.º 2, alínea d) , artigo 10.º, artigo 15.º, n.º 1, alínea f ) , e n.º 2, e artigo 21.º, alínea f ) , ficam os compartes habilitados a promover o arrendamento dos terrenos baldios. 17. Ora, também nesta opção, o legislador ao viabilizar a transferência para terceiros, por via de contrato de arrendamento, dos terrenos baldios, viola o princípio constitucional da proteção do setor social de propriedade de meios de produção que implica, no caso dos meios de produção comunitários nos quais se inserem os baldios, a posse e gestão pelas comunidades locais. 18. Ao contrário do que sucede, excecionalmente, com os contratos de cessão de exploração (anteriormente previstos) em que a respetiva vocação, pela própria natureza contratual, é limitada e mantém-se vinculada ao modo específico de uso e fruição da propriedade comunitária, admitir o arrendamento por outra entidade, independen- temente da forma da utilização e do uso antecedente do respetivo baldio, pode vir a permitir na prática a subversão do princípio da gestão dominial comunitária dos baldios, e atentar contra o princípio de coexistência dos três setores de propriedade de meios de produção, salvaguardados pela Constituição. 19. O que é comunitário é insuscetível de apropriação individual e, na mesma medida, insuscetível de trata- mento como se de propriedade privada se tratasse através, neste caso, de eventual contrato de arrendamento. 20. Atente-se ao que preconizam e concluem Gomes Canotilho e Vital Moreira a este propósito: «[…] a partir do texto constitucional («bens comunitários», «possuídos e geridos pelas comunidade locais») parece seguro con- cluir que se trata aqui de uma figura específica, em que é a própria comunidade, enquanto coletividade de pessoas, que é titular da propriedade dos bens e da unidade produtiva, bem como da respetiva gestão (autogestão)». 21. Em linha com este entendimento, consideramos que a possibilidade de gestão de baldios através de arren- damento por entidades privadas alheias às comunidades locais, desconsiderando a sua natureza jurídica e a ante- cedente utilização deve, por isso merecer da parte do Tribunal Constitucional o competente juízo sobre a sua inconstitucionalidade, incidindo nas supra citadas normas da Lei n.º 72/2014, de 2 de setembro, também à luz do disposto no artigo 80.º alínea f ) e no artigo 82.º n.º 1 e n.º 4 alínea b) da CRP. III – Da integração de baldios em bolsa de terras 22. À semelhança do ponto antecedente, também a solução legal prevista na Lei n.º 72/2014, de 2 de setem- bro, que passa a permitir a integração de terrenos baldios na «bolsa de terras» criada pela Lei n.º 62/2012, de 10 de dezembro, desvirtua o princípio de tutela e da gestão dominial comunitária dos baldios e atenta contra o princípio de coexistência dos três setores de propriedade de meios de produção, constitucionalmente consagrados. 23. Concretizável pelo ora disposto nos novos artigo 15.º, n.º 1, alínea s) , artigo 21.º, alínea f ) , e artigo 27.º, introduzidos pela Lei n.º 72/2014, de 2 de setembro, a integração dos baldios em «bolsa de terras» pode significar também a gestão e usufruto de terrenos baldios por terceiros que não os compartes, em descontinuidade com os usos e costumes estabelecidos, e a sua utilização como se propriedade privada se tratasse.

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