TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

131 acórdão n.º 595/15 9. A análise da evolução histórica do enquadramento constitucional dos baldios foi já objeto de trata- mento detalhado na jurisprudência deste Tribunal, salientando-se os Acórdãos n. os 325/89 e 240/91, arestos para os quais se remete. Embora a revisão constitucional de 1997 tenha introduzido certas alterações no artigo 82.º da Cons- tituição, a atual redação dos respetivos n. os 1 e 4, alínea b) , é ainda aquela que resultou da revisão de 1989. Assim, depois de garantir, no respetivo n.º 1, a «coexistência de três setores de propriedade dos meios de produção» – isto é, o setor público, o setor privado e o setor cooperativo e social –, o artigo 82.º da Consti- tuição alude, no n.º 4, ao setor cooperativo e social, especificando e autonomizando os quatro subsetores no mesmo compreendidos. O setor cooperativo e social cuja existência se encontra constitucionalmente assegurada contempla, assim, o subsetor cooperativo [n.º 4, alínea a) ], o subsetor comunitário [n.º 4, alínea b) ], o subsetor autoge- rido empresarial e agrário [alínea c) ] e, depois da revisão de 1997, também o subsetor de solidariedade social [alínea d) , aditada pela revisão de 1997]. Conforme entendimento consensualmente sufragado na doutrina mais atual, ao garantir a existência do setor cooperativo e ao autonomizar, dentro deste setor, os quatro subsetores para esse efeito especificados, a Constituição não permite que o legislador suprima qualquer deles, nem lhe consente que reduza qualquer deles a realidades marginais ou económico-estruturalmente irrelevantes (cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada , Tomo II, p. 49). No que diz particularmente respeito ao subsetor comunitário − que continua a abranger, nos termos da alínea b) do n.º 4 do artigo 82.º, os «meios de produção comunitários, possuídos e geridos pelas comunida- des» –, a sua transferência do setor público para o setor cooperativo e social, operada no âmbito da revisão constitucional de 1989, veio reforçar a autonomia dos bens comunitários, de acordo com a ideia, posta sucessivamente em evidência nos Acórdãos n.º 325/89 e 240/91, de “dominialidade comunitária ou cívica”. Em face do artigo 84.º, n.º 2, alínea b) , da Constituição, a impossibilidade que ao legislador ordinário se coloca de suprimir ou depreciar o subsetor comunitário em termos suscetíveis de colocar em causa a garantia da sua existência continua, assim, a dever ser aferida de acordo com o entendimento, sufragado em ambos os referidos arestos, segundo o qual: i) ao aludir a meios de produção comunitários, a norma constitucio- nal aponta para a natureza comunitária da própria propriedade, excluindo com isso a possibilidade de tais bens pertencerem a entidades públicas, como autarquias locais ou juntas de freguesia; ii) ao aludir a bens possuídos e geridos pelas comunidades, a norma constitucional atribui às comunidades locais, enquanto comunidades de habitantes, a titularidade dos direitos de gozo, de uso e de domínio dos meios de produção comunitários, continuando a vigorar neste âmbito os princípios de autoadministração e de autogestão assi- nalados no Acórdão n.º 325/89 (cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, ob. cit. , Tomo II, p. 52). 10. Conforme resulta da exposição de motivos que acompanhou o Projeto de Lei n.º 528/XII/3.ª, que esteve na origem da Lei n.º 72/2014, a revisão do regime jurídico dos baldios por esta levada a cabo teve como propósito o de, «decorridos mais de 15 anos sobre a última alteração legislativa à Lei dos Baldios, constante da Lei n.º 68/93, de 4 de setembro, alterada pela Lei n.º 89/97, de 30 de julho», proceder a «uma adequação do quadro legal em vigor» às profundas transformações sofridas «ao longo dos últimos 50 anos» pela «relação da sociedade com o território», em particular à constatação de que os terrenos baldios, embora «continuem a representar um enorme potencial para as populações locais», deixaram, «na generalidade das situações, (…) de ser aproveitados e geridos de modo a produzir os benefícios idealizados». De acordo ainda com a referida exposição de motivos, o «crescente aumento de receitas resultantes da exploração de terrenos baldios e os processos de negociação em curso, tendo em vista a instalação de (…) equipamentos electroprodutores, nomeadamente para a produção de energia eólica e hídrica, tem conduzido a um fenómeno de criação de novas delimitações de baldios e à sua consequente atomização», o que, contra- riando «a necessidade de aumento de escala necessária para assegurar a coesão do espaço rural, e garantir (…) a viabilidade do investimento na gestão e no ordenamento do território», impôs a adoção de novas soluções.

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