TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

132 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Assim no essencial justificadas, as alterações introduzidas à Lei n.º 68/93 corporizam, segundo ainda a aludida exposição de motivos, «uma reforma de cariz funcional, colmatando lacunas e solucionando confli- tos, designadamente no âmbito da gestão territorial dos baldios», tendo particularmente em vista a criação de «uma dinâmica na gestão dos espaços comunitários» liberta das «barreiras anteriormente impostas e, simultaneamente, habilitar as entidades gestoras dos baldios a aproveitar de forma mais eficaz os mecanismos financeiros colocados à disposição de quem neles investe, quer o investimento seja realizado pelos conselhos diretivos dos baldios ou outros com quem aqueles venham a contratualizar a gestão, uma vez obtida a con- cordância dos compartes». Para além da eliminação de «um dos maiores entraves» considerados existir «na boa e rentável gestão dos baldios», a reforma da Lei dos Baldios, concretizada através da Lei n. º 72/2014, visou ainda «alcançar maior transparência ao nível da gestão sustentável dos recursos financeiros que os bal- dios propiciam» (cfr. Projeto de Lei n.º 528/XII/3.ª). Neste enquadramento, as modificações ao regime jurídico dos baldios introduzidas pela Lei n.º 72/2014 cuja constitucionalidade é contestada prendem-se diretamente com a: i) ampliação do conceito de comparte; ii) modificação do regime de cedência do gozo e fruição do baldio, em particular através introdução da pos- sibilidade do seu arrendamento a terceiros; e iii) instituição da possibilidade de disponibilização do baldio na bolsa nacional de terras criada pela Lei n.º 62/2012. Considerados os elementos que conformam e integram o estatuto constitucional dos baldios, importa seguidamente verificar se as alterações introduzidas naqueles três segmentos do respetivo regime legal aten- tam, em função do seu sentido e alcance, contra o domínio coletivo incidente sobre aqueles meios de pro- dução ou em qualquer caso descaracterizam ou suprimem a posse útil e/ou os poderes de autogestão que, relativamente a tais bens, a Constituição atribui às correspondentes comunidades locais. 11. Tendo por objetivo a “entrega dos terrenos baldios às comunidades” que deles haviam sido “desapossa- das pelo Estado”, o Decreto-Lei n.º 39/76, de 19 de janeiro, começou por definir os baldios como os “terrenos comunitariamente usados e fruídos por moradores de determinada freguesia ou freguesias, ou parte delas” (artigo 1.º) e os compartes dos terrenos baldios como os “moradores que exer[cessem] a sua atividade no local e que, segundo os usos e costumes reconhecidos pela comunidade, t[ivessem] direito à sua fruição”. A titula- ridade do uso e fruição dos baldios encontrava-se, assim, legalmente atribuída àqueles que cumulativamente satisfizessem os seguintes requisitos: i) fossem moradores da freguesia ou freguesias em que se situasse o baldio; ii) exercessem aí a sua atividade; e iii) tivessem direito, segundo os usos e costumes locais, à fruição do baldio. Ao regime estabelecido no Decreto-Lei n.º 39/76 sucedeu a Lei n.º 68/93, de 4 de setembro, diploma que, conforme apontado na doutrina (cfr. Jaime Gralheiro, Comentário à Nova Lei dos Baldios , Almedina, 2002, p.11), procedeu à ampliação do conceito de comparte a todos “os moradores de uma ou mais fregue- sias ou parte delas que, segundo os usos e costumes, t[ivessem] direito ao uso e fruição do baldio”. 12. De acordo com a nova redação conferida ao n.º 3 do artigo 1.º da Lei n.º 68/93, compartes passa- ram a ser: a) Os cidadãos eleitores, inscritos no recenseamento eleitoral da freguesia em que se situe o baldio; e que, concomitantemente b) Residam na área da comunidade local em causa ou aí exerçam atividade agroflorestal ou silvopastoril. Em resultado do aditamento àquele artigo 1.º do seu atual n.º 4, o conceito abrange os «menores eman- cipados que sejam residentes nas comunidades locais» onde tais baldios se situem. Em conformidade com o n.º 5 do artigo 1.º da Lei n.º 68/93, igualmente aditado pela Lei n.º 72/2014, os compartes, assim definidos, «usufruem os baldios conforme os usos e costumes locais e gerem de forma sustentada, nos termos da lei, os aproveitamentos dos recursos dos respetivos espaços rurais, de acordo com as deliberações tomadas em assembleia de compartes».

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