TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

133 acórdão n.º 595/15 Em consequência da substituição do conceito de comparte baseado nos «usos e costumes locais», origina- riamente acolhido pela Lei n.º 68/93, a Lei n.º 72/2014 procedeu, no seu artigo 8.º, à revogação das normas que, através da previsão e regulação do mecanismo do recenseamento de compartes, tinham por função via- bilizar a delimitação do universo de compartes à luz daquele critério, em particular àquelas que constavam da alínea c) do n.º 1 do artigo 15.º, alínea b) do artigo 21.º e artigo 33.º, todos da Lei n.º 68/93, de 4 de setembro. Na medida em que atribuição do estatuto de comparte passou a estruturar-se sob um critério legal aca- bado, de aplicação direta e automática − no sentido em que, de acordo com a nova redação conferida n.º 3 do artigo 1.º da Lei n.º 68/93, de tal estatuto beneficiam agora os cidadãos eleitores recenseados na freguesia onde se situam os terrenos baldios e que residam ou desenvolvam atividade agroflorestal ou silvopastoril na comunidade local que deles pode usufruir, sem dependência de qualquer deliberação, ato ou autónoma for- malidade –, a Lei n.º 72/2014, não só procedeu à revogação do conjunto de normas referentes ao mecanismo de recenseamento de compartes, constante da versão originária daquele diploma legal, como as não subs- tituiu pela previsão de qualquer outro procedimento destinado a identificar ou registar os compartes, nem pela atribuição aos órgãos da administração dos baldios de qualquer competência para intervir a esse nível. 13. Atentando na evolução do conceito de comparte à luz da sucessão dos regimes legais incidentes sobre os baldios, verifica-se que o mesmo foi sendo continuamente ampliado, resultando tal ampliação do progressivo decaimento de requisitos que começaram por ser cumulativamente exigidos para esse efeito. Assim, dos três pressupostos primitivamente estabelecidos no Decreto-Lei n.º 39/76 – (i) ser-se mora- dor da freguesia ou freguesias em que se situasse o baldio, (ii) exercer-se aí determinada atividade e (iii) ter-se direito, segundo os usos e costumes locais, à fruição do mesmo –, a Lei n.º 68/93 manteve apenas o primeiro e o terceiro, retirando relevância, no âmbito da noção de comparte estabelecida no n.º 3 do respetivo artigo 1.º, ao elemento de conexão baseado no exercício de determinada atividade. Com as alterações introduzidas pela Lei n.º 72/2014, a opção de remeter para as normas de direito con- suetudinário o recorte final do universo dos compartes, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 39/76 e mantida em vigor pela Lei n.º 68/93, foi expressamente abandonada; em consequência da eliminação de mais este pressuposto, o conceito de comparte passou a estruturar-se sob o único elemento de conexão que sobejou – o elemento relativo à freguesia da área de residência – ainda que sob diferente modelação. Em resultado da nova redação conferida ao n.º 3 do artigo 1.º da Lei n.º 68/93, à comunidade titular do domínio cívico sobre os baldios pertencem agora todos os cidadãos eleitores, inscritos e residentes nas comu- nidades locais onde aqueles se situam, ou que aí desenvolvem uma atividade agroflorestal ou silvopastoril. A Lei n.º 72/2014 repristinou, assim, o elemento de conexão relativo ao exercício de determinada ati- vidade, que constara do regime originariamente estabelecido no Decreto-Lei n.º 39/76, embora com duas diferenças fundamentais: i) trata-se, não de um pressuposto autónomo, mas de um requisito alternativo ao elemento de conexão baseado na residência; ii) as atividades cujo exercício é suscetível de relevar para esse efeito são apenas as de natureza agroflorestal e silvopastoril. Para além da alteração do critério de determinação da qualidade de comparte e em estreita relação com esta, as modificações introduzidas pela Lei n.º 72/2014 no regime acolhido pela Lei n.º 68/93 determina- ram ainda que: i) a qualidade de comparte tivesse passado a decorrer diretamente da lei, dispensando-se a intervenção do direito consuetudinário para o qual a primitiva versão remetia; e ii) o recenseamento eleitoral tivesse deixado de ter a função meramente supletiva que o regime anterior lhe era assinalava – isto é, a fun- ção de substituir o recenseamento dos compartes sempre que este se revelasse persistentemente inexistente e essa inexistência não pudesse ser suprida através do recurso a regras consuetudinárias – para se converter no elemento central do critério legal de atribuição da qualidade de comparte. 14. De acordo com a posição sustentada pelos requerentes do pedido que deu origem ao Processo n.º 251/15, a alteração do conceito de comparte resultante das alterações introduzidas pela Lei n.º 72/2014, na medida em que estende o direito ao uso e fruição dos baldios a todos os eleitores, inscritos e residentes nas

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