TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

134 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL freguesias em que estes se localizem ou que aí desenvolvam determinada atividade, prescindindo da função delimitadora até então exercida pelos usos e costumes locais, não só põe em causa a natureza comunitária do baldio − que deixará assim de poder ser fruído por uma «comunidade local restrita, segundo os costumes da comunidade» –, como tornará inclusivamente possível o conflito entre «o que é da titularidade dos com- partes e da titularidade da junta de freguesia», tanto mais que, ao «ser representativa de todos os eleitores e consequentemente de todos os compartes», a junta «pode administrar o baldio como se tivesse a titularidade do mesmo, ou seja, como se de um bem privado da freguesia se tratasse». Já segundo os requerentes do pedido formulado no Processo n.º 337/15, ao definir «como requisito admissível para a aquisição do estatuto de comparte, o mero vínculo de inscrição como eleitor e a residência na comunidade local em que o baldio se situa», a alteração introduzida pela Lei n.º 72/2014 desconsidera «a titularidade-dominial anteriormente constituída relativamente a esse mesmo baldio» através da «respetiva “posse útil e gestão”», permitindo «que aquele que nenhuma relação manteve com o baldio, de uso ou usu- fruto, se torne comparte, lado a lado e com os mesmos poderes do que aqueles que constituíram ao longo de anos um costume sobre o uso e fruição desse mesmo baldio», o que é incompatível com «a salvaguarda constitucional que protege a propriedade social de meios de produção». Tal como configurado por ambos os grupos de requerentes, o problema de constitucionalidade suscitado em torno da alteração do conceito de comparte produzida pela Lei n.º 72/2014 consiste, assim, em saber se a abertura das comunidades titulares do domínio cívico incidente sobre os baldios a todos os cidadãos eleitores inscritos e residentes na freguesia onde estes se situem ou que «aí desenvolvam uma atividade agroflorestal ou silvopastoril», com a consequente exclusão da faculdade de autodelimitação que, através do recurso aos usos e costumes, se encontrava até então atribuída aos elementos integrantes de tais comunidades, anula ou invalida a autonomia dominial ou natureza comunitária da propriedade ou da posse que incidem sobre aqueles meios de produção. 15. Ao contrário das normas cuja constitucionalidade foi apreciada no Acórdão n.º 325/89, a alteração do conceito de comparte produzida pela Lei n.º 72/2014, apesar de ter estendido essa qualidade a todos os «cidadãos eleitores, inscritos e residentes nas comunidades locais onde se situam os respetivos terrenos baldios ou que aí desenvolvam uma atividade agroflorestal ou silvopastoril», não operou qualquer mutação dominial no âmbito do estatuto legal daqueles bens comunitários. Com efeito, a circunstância de a qualidade de membro da comunidade cívica titular dos direitos de uso, gozo e domínio sobre os baldios decorrer agora diretamente da lei e se encontrar automaticamente atribuída, de acordo com o critério adotado, à comunidade-coletividade constituída pelo conjunto dos cidadãos eleitores, inscritos e residentes nas freguesias em que se situam os baldios ou que aí desenvolvam determinada atividade, não determina, em si mesma, a integração daqueles bens comunitários no domínio público de tais freguesias, nem tão pouco implica que aos órgãos de governo destas entidades passem por essa razão a caber quaisquer poderes de condicionamento ou de ingerência no âmbito da administração ou gestão daqueles bens. E isto desde logo porque, mesmo nos casos em que o universo dos membros das comunidades cívicas – os compartes ou os condóminos – venha a coincidir com o substrato pessoal dos entes territoriais que lhes correspondam – conforme, de resto, já se previa que pudesse ocorrer quando, por falta de recenseamento dos compartes, se prescrevia a respetiva substituição pelo recenseamento eleitoral dos residentes na respetiva comunidade local (cfr. artigo 33.º, n.º 6, da Lei n.º 68/93, na sua versão originária) –, os bens comunitários mantêm-se na titularidade das respetivas comunidades locais, as quais não passam por essa razão a poder confundir-se com os entes territoriais locais ou autarquias locais com base nos quais foi realizada a respetiva delimitação (cfr. José Casalta Nabais, “Alguns perfis da propriedade coletiva nos países de civil law ”, in Estu- dos em Homenagem ao Prof. Doutor Rogério Soares, Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra , 61, p. 246). Por isso, nem o alargamento do conceito de comparte a todos os cidadãos eleitores, inscritos e residentes na freguesia em que os baldios se situem ou que aí desenvolvam determinada atividade, nem a correspon- dência que assim tendencialmente se estabelece entre a condição de freguês e a qualidade de comparte,

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