TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

135 acórdão n.º 595/15 implicam, por si só, que a titularidade-dominial dos baldios deixe de permanecer legalmente imputada uma coletividade-comunidade de habitantes e, menos ainda, que essa titularidade seja desse modo transferida para qualquer um dos órgãos representativos da freguesia que, por constituir a circunscrição de recensea- mento em território nacional, serve de referência àquela reconfiguração. Conforme se escreveu logo no Acórdão n.º 325/89, «mesmo a haver uma correspondência territorial e pessoal entre comunidades locais («povos») e a freguesia ou freguesias» – hipótese cuja possibilidade de veri- ficação não deixou ali de admitir-se –, continuará a não existir «qualquer identificação entre comunidades locais e coletividades territoriais autárquica»: a titularidade dominial dos bens comunitários permanecerá dos «povos», «utentes», «vizinhos», ou «compartes»”, não sendo por aquela razão transferida para «as freguesias ou grupo de freguesias». A reconfiguração do critério de atribuição da qualidade de comparte resultante das modificações intro- duzidas pela Lei n.º 72/2014, não obstante estender aquela qualidade a todos os cidadãos eleitores, inscritos e residentes na comunidade em que os baldios se situem ou que aí desenvolvam determinada atividade, ape- nas produz efeitos quanto à delimitação do universo subjetivo da própria comunidade cívica titular dos direi- tos de propriedade, uso e gozo sobre aqueles meios de produção. Por isso, não determina, nem direta, nem reflexamente, a transmudação da natureza comunitária do domínio e/ou da posse que sobre eles incidem, nem, consequentemente, implica qualquer perda de autonomia desses «bens comunitários» face ao Estado. 16. Embora atribua a titularidade dominial dos baldios às comunidades locais, enquanto comunidades de habitantes, a Constituição não determina, contudo, o modo como tais comunidades devem considerar-se para aquele efeito constituídas, nem contém quaisquer critérios com base nos quais deva a respetiva delimi- tação ser legalmente concretizada. Sendo, consequentemente, escasso o nível de predeterminação constitucional neste domínio, o legisla- dor ordinário dispõe de uma ampla liberdade conformadora quanto à modelação do universo dos membros integrantes de tais comunidades, cabendo-lhe, assim, quer a determinação do tipo de regras a atender para o efeito – isto é, se as mesmas deverão resultar diretamente da lei ou antes de normas consuetudinárias para as quais a lei deverá limitar-se a remeter – quer ainda, sobretudo naquela primeira hipótese, a designação do(s) elemento(s) de conexão nos quais o vínculo de pertença deverá concretamente fundar-se. Apesar de amplo, o poder de conformação que nestes termos assiste ao legislador ordinário encontra-se naturalmente sujeito aos limites que decorrem da própria garantia constitucional da natureza coletiva ou cívica do domínio incidente sobre aqueles bens comunitários: na medida em que a Constituição atribui às comunidade locais, enquanto comunidades de habitantes, a titularidade e a posse útil dos baldios, o legis- lador, ao definir o universo dos membros integrantes dessas comunidades, não o poderá fazer em termos de tal modo amplos e abrangentes – como sucederia, desde logo, se o fizesse à escala do país, tornando todos os cidadãos nacionais compartes de todos os baldios existentes em território nacional, apenas em função dessa sua qualidade – que, retirando materialidade à coletividade-referência ou esbatendo a sua densidade, a con- vertam numa realidade intangível e difusa e, por via disso, num mero simulacro do conceito de comunidade. 17. Na sua versão originária, a Lei n.º 68/93, não obstante estabelecer como requisito básico da quali- dade de membro da comunidade local o ser-se morador da freguesia ou freguesias em que se situasse o baldio, remetia para o direito consuetudinário o recorte final do universo dos compartes. A residência na freguesia ou freguesias em que se situasse o baldio constituía, assim, um pressuposto necessário mas não suficiente para a aquisição da qualidade de membro da comunidade cívica titular daquele bem comunitário: não sendo automaticamente atribuída a todos os residentes na freguesia em que se situasse o baldio pelo simples facto de o serem, tal qualidade encontrava-se dependente, em última instância, dos “usos e costumes” aplicáveis, na interpretação que deles viesse a ser feita pela própria assembleia de compar- tes no exercício da competência deliberativa que para esse efeito lhe estava expressamente atribuída [artigo 15.º, n.º 1, alínea c) , da Lei n.º 68/93, na redação originária]. A qualidade de membro da comunidade cívica

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