TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

136 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL titular do domínio sobre os baldios decorria, assim, não diretamente da lei, mas do direito consuetudinário, para o qual então remetia o artigo 1.º, n.º 3, da Lei n.º 68/93. Assim entendida, a remissão para os “usos e costumes”, que constava do n.º 3 do artigo 1.º da Lei n.º 68/93, cometia ao direito consuetudinário o recorte definitivo e final do universo de compartes, decidindo nomeada- mente, «quem faz parte da respetiva comunidade: 1) se todos os residentes ou moradores da correspondente povoação ou lugar, ou só aqueles entre esses» que se dedicassem, «ao menos parcialmente, à atividade agrícola, como era tradicional atentas as funções dos bens comunitários cívicos; 2) se todos os residentes, independente- mente do tempo de residência no lugar, ou apenas os residentes originários ou os aí residentes há um determi- nado prazo; e 3) se os membros da comunidade, mormente para efeitos da designação dos respetivos órgãos de gestão», seriam «as famílias (ou fogos) ou os indivíduos» (cfr. Casalta Nabais, loc. cit. , p. 247). Deste modo, mesmo em face do regime anterior, o estabelecimento de uma correspondência territorial e pessoal entre as comunidades locais (povos) titulares da dominialidade cívica e a freguesia ou freguesias em que os baldios se situavam constituía já uma das configurações possíveis que, através da intermediação exercida pelas normas de direito consuetudinário, o universo de compartes poderia em concreto assumir, por deliberação da respetiva assembleia. Por via da atribuição deste poder deliberativo, a exercer de acordo com os usos e costumes aplicáveis, a lei colocava nas mãos das próprias comunidades titulares do domínio cívico a decisão acerca do seu cará- ter mais aberto ou mais fechado, concedendo-lhes a faculdade de, através da interpretação das normas das direito consuetudinário, se autoatribuírem a configuração máxima resultante da inclusão de todos os mem- bros residentes ou moradores da correspondente povoação ou lugar ou, em alternativa, confinarem a cotitu- laridade dos direitos incidentes sobre os baldios ao conjunto daqueles que, de acordo com padrão de conduta implícito no costume, mantivessem, em função da sua particular qualidade, uma relação diferenciada com aqueles meios de produção. 18. Este regime foi, como já se referiu, substancialmente alterado pela Lei n.º 72/2014. Por força da reconfiguração da noção de comparte, resultante da nova redação conferida ao n.º 3 do artigo 1.º da Lei n.º 68/93, a comunidade cívica passou a ter o mais aberto dos perfis em geral configuráveis de acordo com o direito consuetudinário – no sentido em que coincide agora com o conjunto de todos os cidadãos eleitores, inscritos e residentes na comunidade em que se situe o baldio – e, na medida em que o critério delimitador passou a decorrer diretamente da lei, perdeu a faculdade de se autorrestringir a um núcleo mais restrito de membros dentro daquele universo com recurso a normas de direito consuetudinário. Afastada a possibilidade de reconhecer nos referidos elementos inovatórios – quer em si mesmos, quer em resultado da sua conjugação – qualquer mutação na titularidade cívica decorrente da substituição da comunidade local de utentes por entidades de outro tipo, a questão de constitucionalidade suscitada em torno das alterações introduzidas pela Lei n.º 72/2014 no n.º 3 do artigo 1.º da Lei n.º 68/93 passa, assim, por determinar se a imperativa abertura do universo dos compartes a todos os cidadãos eleitores, inscritos e residentes na comunidade em que situe o baldio, com consequente exclusão da faculdade de autodelimitação através do recurso a regras de direito consuetudinário, põe em causa a natureza materialmente comunitária constitucionalmente atribuída àqueles meios de produção. A questão está em saber se, conferindo uma dimensão necessariamente mais ampla e abrangente à coletividade cívica, o novo critério pode esvaziar e fazer perder de vista, como é sustentado ainda pelos requerentes, a natureza materialmente comunitária que a Constituição assegura àqueles meios de produção. 19. Conforme se viu já resultar do enquadramento constante da exposição de motivos que acompanhou o Projeto de Lei n.º 528/XII/3.ª, tanto a alteração geral do regime jurídico dos baldios, resultante da Lei n.º 74/2012, como, em particular, a reconfiguração do conceito de comparte dali resultante, são, no essencial justificadas através da invocação de um conjunto de fundamentos relacionados com a «profunda modificação da relação da sociedade com o território», em especial com a constatação de que os terrenos baldios deixaram,

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