TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

137 acórdão n.º 595/15 «na generalidade das situações, (…) de ser aproveitados e geridos de modo a produzir os benefícios idealiza- dos», tendo-se convertido em objeto de um tipo de «exploração» propiciador de «um crescente aumento de receitas», designadamente com vista à «instalação de (…) equipamentos electroprodutores, nomeadamente para a produção de energia eólica e hídrica». De acordo ainda com a orientação estratégica subjacente às alterações constantes da Lei n.º 72/2014, tal fenómeno tornou necessária a adoção de novas soluções, suscetíveis de assegurar a criação de «uma dinâmica na gestão dos espaços comunitários», habilitando «as entidades gestoras dos baldios a aproveitar de forma mais eficaz os mecanismos financeiros colocados à disposição de quem neles investe». Procedendo diretamente daquilo que se considera ser a nova forma de utilização dos baldios, centrada na sua exploração, e garantia da viabilidade do investimento na gestão, as razões invocadas para justificar a reforma levada a cabo pela Lei n.º 72/2014 e, em particular, a reconfiguração do conceito de comparte ali contemplada, são reconhecidamente próximas daquelas que, na doutrina, servem para considerar hoje “bas- tante questionável” o caráter fechado tradicionalmente assumido pelas comunidades locais. Tido por compreensível «enquanto os terrenos cívicos tiveram por função basicamente a subsistência dos respetivos condóminos ou compartes, proporcionando a cada um o aproveitamento dos bens necessários ou auxiliares da economia doméstica ou da atividade agrícola (concretizados na recolha de lenhas e matos, na apascentação de gados, no aproveitamento de águas destinadas a irrigação dos terrenos, etc.)», o confina- mento do universo dos compartes a um núcleo restrito de membros da comunidade de residentes tornou-se, segundo se sustenta, inadequado «face a bens coletivos objeto de uma exploração de caráter empresarial e planificada, traduzida numa atividade de produção para troca, por via de regra monetária (concretizada, por exemplo, na exploração florestal, na exploração de pedreiras, na exploração de árvores de fruta, na criação de rebanhos, etc.)» (cfr. Casalta Nabais, op. cit. , p. 248). Parecendo, assim, plenamente imputável ao propósito de ajustar o regime legal dos baldios às novas formas de exploração que atualmente incidem sobre aquele tipo de bens comunitários, o alargamento do universo de compartes a todos os cidadãos eleitores, inscritos e residentes na comunidade local em que aque- les bens se situem ou que aí exerçam determinada atividade, na medida em que se contém dentro dos limites resultantes da correspondência, desde sempre admitida, entre as comunidades de condóminos e o substrato pessoal dos entes territoriais respetivos – as freguesias –, assegura ainda à coletividade-referência uma dimen- são compatível com o arquétipo de comunidade. 20. Esse juízo não é contrariado pelos limites territoriais das circunscrições correspondentes às fregue- sias, resultantes da reorganização administrativa territorial autárquica, cujo regime jurídico foi aprovado pela Lei n.º 22/2012, de 30 de maio. Apesar de, em resultado da criação de freguesias por agregação e/ou da alteração dos seus limites terri- toriais, a circunscrição correspondente à freguesia ser hoje mais ampla, o alargamento do universo de com- partes a todos os residentes na comunidade aí inscritos levado a cabo pela Lei n.º 72/2014 continua a ter subjacente, até pelos critérios que foram seguidos na reorganização administrativa que conduziu àquela agre- gação – designadamente os da preservação da identidade histórica, cultural e social das comunidades locais e do equilíbrio e adequação demográfica das freguesias [cfr. artigo 3.º, alíneas a) e f ) , da Lei n.º 22/2012] −, uma ideia suficientemente tangível de comunidade, não sendo de modo a pôr em causa, do ponto de vista substantivo, o caráter comunitário constitucionalmente associado à titularidade do domínio e da posse inci- dentes sobre aqueles meios de produção. Em suma: a reconfiguração do conceito de comparte resultante das alterações introduzidas pela Lei n.º 72/2014, para além de encontrar fundamento num conjunto de razões hoje reconhecidas na doutrina, não só não compromete a distinção, constitucionalmente salvaguardada, entre o domínio cívico e o domínio público, como não amplia os limites da coletividade-referência ao ponto de comprometer a natureza comu- nitária daqueles meios de produção. É tanto mais assim quanto é certo que, nem a Constituição impõe, nem desta natureza diretamente deriva qualquer obrigação de atribuição àquela coletividade do poder de

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