TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

142 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Sendo estes, no essencial, os pressupostos em que assenta a conclusão, defendida por ambos os grupos de requerentes, de que a mutação do regime de uso e fruição dos baldios, decorrente das alterações introduzidas pela Lei n.º 72/2014, atenta contra o «princípio de coexistência dos três setores de propriedade de meios de produção, salvaguardados pela Constituição», importa começar por verificar se e em que medida terão tais pressupostos efetiva correspondência ou expressão no regime atualmente constante dos artigos 10.º, 15.º, n.º 1, alínea f ) , e 21.º, alínea f ) , da Lei n.º 68/93. 27. Tal como sucedia no âmbito da versão originária da Lei n.º 68/93, a celebração de contratos de arrendamento e/ou de cessão de exploração tendo por objeto o gozo e a fruição dos baldios apenas poderá ocorrer, no âmbito das alterações introduzidas pela Lei n.º 72/2014, por decisão dos próprios membros da comunidade local, mais propriamente por deliberação aprovada por maioria qualificada dos membros pre- sentes na assembleia de compartes, à qual competirá assim, enquanto órgão de representação máxima de tal coletividade, a decisão, quer de celebrar qualquer das duas modalidades contratuais legalmente admitidas, quer ainda sobre os termos em que, intervindo como contraparte, a comunidade local deverá em concreto contratar [cfr. artigo 15.º, n.º 1, alínea j) ]. Na medida em que não poderá ser heteronomamente imposta, havendo antes de resultar de uma decisão, livremente tomada pela própria coletividade-referência através dos seus órgãos de representação e gestão, a cedência do gozo dos terrenos baldios por meio da celebração, seja de um contrato de arrendamento, seja de um contrato de cessão de exploração, constituirá, não o reverso ou a antítese do poder de autodisposição e de autoa- dministração constitucionalmente assegurado às comunidades locais, mas, pelo contrário, uma sua efetiva e verdadeira manifestação: é justamente no âmbito do exercício dos poderes de autogoverno que legalmente se lhe encontram atribuídos (cfr. artigo 11.º, n. os 1 e 2, da Lei n.º 68/93, na redação conferida pela Lei n.º 72/2014) que os membros da coletividade podem optar pela cedência temporária e onerosa do gozo do baldio através do arrendamento ou da cessão da sua exploração, rentabilizando-o desse modo no próprio interesse da coletivi- dade, na medida em que as receitas assim obtidas revertem em proveito exclusivo do próprio baldio e das respe- tivas comunidades locais (cfr. artigo 11.º-A, n.º 1, da Lei n.º 68/93, na versão resultante da Lei n.º 72/2014). O poder deliberativo para tal efeito conferido à assembleia de compartes é, além do mais, um poder legalmente condicionado, no sentido em que, conforme resulta da redação da norma contida na alínea j) do n.º 1 do artigo 15.º da Lei n.º 68/93, a tal assembleia apenas é consentido deliberar sobre o arrendamento ou a cessão de exploração de direitos sobre baldios nos termos previstos na própria Lei dos Baldios, mormente naqueles que constam do respetivo artigo 10.º. Por isso, a cedência a terceiros do uso e fruição dos baldios através da celebração de um contrato de arrendamento ou de cessão de exploração apenas poderá ser decidida pela assembleia de compartes: i) se essa cedência tiver por finalidade o aproveitamento dos recursos dos respetivos espaços rurais (n.º 1 do artigo 10.º); e ii) mediante a salvaguarda da sua tradicional utilização pelos compartes, de acordo com os usos e costumes locais (n.º 3 do artigo 10.º). Verifiquemos cada destes pressupostos. 28. De acordo com a versão original do n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 68/93, a cessão de exploração dos baldios, apesar de não poder incidir sobre as partes do baldio com aptidão para aproveitamento rural, só facultativamente tinha por finalidade o povoamento ou a exploração florestal: de acordo com a formulação legal então adotada, os baldios poderiam ser objeto de «cessão de exploração, nomeadamente para efeitos de povoamento ou exploração florestal», indicando o uso do advérbio “nomeadamente” – de uso habitual nas enumerações exemplificativas – que a cessão poderia ocorrer ainda que o objetivo tido em vista fosse outro. Por força do n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 68/93, na versão resultante da Lei n.º 72/2014, a possibili- dade de cedência do uso e fruição dos baldios, seja através do arrendamento ou da cessão da sua exploração, encontra-se legalmente condicionada quanto à sua finalidade, apenas sendo admitida quando esta se relacio- nar com o aproveitamento dos recursos dos respetivos espaços rurais.

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