TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015
143 acórdão n.º 595/15 A mutação subjacente à nova redação conferida ao n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 68/93 não representa, assim, emmatéria de cedência do uso e fruição dos baldios, a passagem de um regime condicionado à verificação de “motivos de ordem pública” a um regime de livre disposição, independentemente da natureza ou do tipo de motivo: não só o regime anterior não confinava a possibilidade de cedência do gozo dos baldios ao povoamento e à exploração florestal, excluindo todo e qualquer outro propósito ou finalidade, como o regime atualmente vigente não passou a acolher para aquele efeito todo e qualquer intuito ou motivo, o que resulta da conexão fun- cional com o aproveitamento dos recursos dos espaços rurais dos baldios a que, mesmo tratando-se de arrenda- mentos para outros fins, se encontra sujeita a celebração de qualquer uma das modalidades contratuais admitidas. 29. A mesma falta de correspondência aos efetivos termos do regime resultante das alterações introdu- zidas pela Lei n.º 72/2014 se verifica quanto à alegação de que o arrendamento é admitido «independente- mente da forma da utilização e do uso antecedente do respetivo baldio», com quebra da salvaguarda, ante- riormente assegurada «do interesse dos compartes, segundo os limites e fins a que o baldio se destina[va]». Da proibição de o contrato de arrendamento, tal como o de cessão de exploração, vir a ser celebrado em termos que prejudiquem a tradicional utilização do baldio pelos compartes de acordo com usos e costumes locais, constante do atual n.º 3 do artigo 10.º da Lei n.º 68/93 decorre, com efeito, uma relevante limitação à possibilidade de cedência do uso e fruição daqueles terrenos, operante no sentido de se encontrar impera- tivamente excluída a hipótese de vir a integrar o objeto da cedência a parte do prédio que, segundo as regras consuetudinárias, esteja destinada a ser diretamente fruída pelos membros da comunidade local, ou, pelo menos, quando assim se não entenda, no sentido de obrigar o locatário a suportar esse tipo de fruição no prédio locado e limitando, nessa medida, o direito de sequela que para o mesmo advém da sua equiparação ao possuidor pelo artigo 1037.º, n.º 2, do Código Civil. Como quer que tal limitação seja entendida – isto é, como limitação ao âmbito do objeto do contrato ou como limitação ao âmbito do direito que através dele se constitui –, encontrar-se-á em qualquer caso assegurada, por força da parte final do n.º 3 do artigo 10.º da Lei n.º 68/93, na redação conferida pela Lei n.º 72/2014, a subsistência da possibilidade de fruição comunitária dos baldios nos termos em que a mesma consuetudinariamente se formou, uma vez que se trata aqui de um limite decorrente de norma especial e imperativa, que, como tal, se sobrepõe ao que em contrário possa resultar da disciplina legalmente fixada, em geral, para qualquer uma das modalidades contratuais agora admitidas. Justamente porque ambas as modalidades contratuais se encontram sujeitas a tal limitação, a circunstância, acima assinalada, de a figura do arrendamento se encontrar, quando confrontada com a da cessão da exploração, menos vocacionada para assegurar a manutenção do exato tipo de atividade tradicionalmente exercida através do baldio ou a partir dele não é determinante de uma apreciação diferenciadora: essa é uma diferença que diz apenas respeito à espécie de atividade que o locatário é admitido a exercer sobre a coisa locada, em nada interferindo com o tipo de utilização que a lei mantém acessível aos compartes de acordo com os usos e costumes locais. Em qualquer uma das hipóteses agora admitidas, encontra-se, em suma, assegurada a subsistência da possibilidade de exercício pelos membros da coletividade local dos poderes de facto correspondentes à con- suetudinária forma de fruição do baldio – o que, associado à natureza autodispositiva do ato de cedência, constitui condição simultaneamente necessária e suficiente para assegurar a preservação da posse útil da comunidade de habitantes sobre aqueles meios de produção. 30. Dos argumentos expendidos pelos requerentes subsiste, assim, o relativo à transitoriedade do direito de gozo que se forma ou constitui através de cada uma das espécies contratuais admitidas, argumento tor- nado relevante a partir da eliminação da referência à duração máxima da cedência do baldio, incluída no regime originariamente constante da Lei n.º 68/93. No regime originariamente constante da Lei n.º 68/93 – que apenas admitia a cedência temporária do gozo dos baldios através da cessão de exploração –, esta poderia efetivar-se, de acordo com o n.º 4 do respetivo artigo 10.º, «por períodos até 20 anos, sucessivamente prorrogáveis por períodos até igual tempo».
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