TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

158 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL IV – Nestas condições, comprovada a natureza interlocutória e lesiva do ato de cessação do benefício fiscal, concluída estaria a apreciação do direito infraconstitucional, sem necessidade de indagação da even- tual qualificação daquele ato como ato destacável; sucede, porém, que a decisão recorrida considerou que este ato preencheria, em simultâneo, as duas exceções inscritas na previsão do n.º 1 do artigo 54.º do CPPT: seria, por um lado, um ato lesivo – portanto suscetível de impugnação judicial autónoma imediata (facultativa) e, por outro lado, um ato destacável, sujeito a impugnação judicial autónoma imediata necessária; a qualificação simultânea como ato lesivo e como ato destacável nada teria de perturbador, não fora o caso de, relativamente aos «atos interlocutórios cujo escrutínio imediato e autónomo se encontre expressamente previsto na lei (“atos destacáveis”)», ser abstratamente possível configurar a sua impugnação como um ónus, daí podendo resultar que o respetivo incumprimento inviabilizaria a impugnação judicial futura do ato de liquidação com invocação de fundamentos rela- tivos ao ato destacável, tendo sido esta a conclusão da decisão recorrida. V – O que está em causa é apurar se o respeito pelos direitos assegurados nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição é compatível com a imposição, sem base legal adequada, do ónus de impugnação judi- cial autónoma e imediata de um ato interlocutório lesivo (ou simplesmente destacável), em termos de a invocação dos vícios próprios de tal ato se tornar impossível no âmbito da impugnação da decisão final do procedimento tributário; isto, claro, tendo presente, por um lado, que o artigo 54.º do CPPT é, literalmente, uma regra sobre a possibilidade excecional de impugnar atos interlocutórios lesivos ou destacáveis; e, por outro, que o n.º 2 do artigo 95.º da Lei Geral Tributária não pode constituir «a lei expressa» a que se refere o segundo troço da previsão do artigo daquela norma, não se encontrando outra. VI – No caso presente, a posição que prevaleceu na decisão arbitral recorrida tem como consequência que o contribuinte que não impugnou autonomamente o ato de cessação do benefício fiscal, como podia ter feito, deixa de poder impugnar a liquidação do imposto com fundamento em vícios daquele ato, não podendo deixar de se reconhecer que se trata de uma consequência muito onerosa para o contribuinte, permitindo a consolidação na ordem jurídica de atos que o prejudicam gravemente, com a impossi- bilidade de impugnar o ato de cessação do benefício fiscal, no âmbito do processo de impugnação do ato de liquidação do imposto. VII – Este prejuízo causado ao contribuinte ocorreu num contexto legal em que vigora inquestionavelmente o princípio da impugnação unitária e em que a impugnação autónoma de atos lesivos ou interlocutó- rios praticados no âmbito do procedimento administrativo tributário é configurada pela lei como uma faculdade do contribuinte, apenas justificada no quadro do reforço das suas garantias; o contribuin- te poderia ter impugnado autonomamente a cessação do benefício fiscal, tendo sido perfeitamente legítima a sua escolha em não o fazer, naquele quadro legal: não só não se encontra qualquer norma legal que tenha operado a transformação da faculdade de impugnar em ónus de impugnar, como, tratando-se, como se tratou, de ato lesivo, nem sequer seria admissível a existência de tal norma, pelo que a conclusão a extrair somente pode ser uma: ao impedir que a impugnação do ato de liquidação do imposto se funde em vícios próprios do ato de cessação do benefício fiscal, a interpretação que a decisão recorrida fez do artigo 54.º do CPPT desprotege gravemente os direitos do contribuinte, assim ofendendo princípio da tutela judicial efetiva e o princípio da justiça, inscritos nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição.

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