TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015
162 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL (transformando em ónus a faculdade de impugnar tais atos), sob pena de ficar precludida a impugnação do ato final – é conforme aos imperativos da Lei Fundamental. 9. Vejamos o que estava em causa. Simplificando o mais possível e esquecendo detalhes irrelevantes, o essencial da questão pode resumir-se assim: a) A recorrente gozava de um benefício fiscal, que a AGT entendeu haver cessado, devido à existência de uma dívida tributária cujo processo de execução fiscal não se encontrava, no entender da AGT, suspenso (relativo a uma dívida de 2000); b) Em fevereiro de 2012, a AGT comunicou à recorrente haver desconsiderado, na declaração de rendimentos relativa ao exercício de 2010, o mencionado benefício fiscal; c) Ainda no decurso do mesmo ano, a recorrente foi notificada da liquidação adicional de IRC relativa ao ano de 2010; d) A recorrente não impugnou judicialmente nem o suposto ato de levantamento da suspensão do processo de execução fiscal, nem o ato de cessação do benefício fiscal. Note-se, ainda, que o Tribunal Arbitral deu como não provada a existência de qualquer ato de levanta- mento da suspensão do processo de execução fiscal (fls. 97/98 do processo anexado). 10. Concentrando, também por isso, a nossa atenção no ato de cessação do benefício fiscal, a tese que prevaleceu na decisão arbitral (sustentada pela AGT) – é a de que (a) a sua impugnabilidade judicial resulta- ria do seu carácter imediatamente lesivo; e (b) esta impugnabilidade não constituiria faculdade mas ónus da recorrente, uma vez que tal ato não se inseria em procedimento conducente à liquidação de um tributo. Con- sequentemente, uma vez transcorrido o prazo de impugnação judicial sem que a esta se tivesse procedido, por via de ação administrativa especial, formar-se-ia “caso decidido”, que obstaria a qualquer reapreciação judicial do ato de liquidação adicional do IRC, pelo menos enquanto assente em vícios próprios do ato de cessação do benefício fiscal. Naturalmente que outro é o entendimento da recorrente. Esta sublinha que o princípio geral em pro- cesso tributário é o da impugnação unitária, inscrito na epígrafe do próprio artigo 54.º do CPPT. A possibi- lidade de impugnar outros atos que não os atos finais do procedimento – os chamados atos interlocutórios – constitui exceção, encontrando-se condicionada à sua lesividade. Esta possibilidade não passa disso mesmo, de uma mera possibilidade, como evidencia a redação do último troço da disposição legal, ao prever que a impugnação da decisão final pode incidir também sobre «qualquer ilegalidade anteriormente cometida». E, a confirmá-lo, estaria a previsão inscrita no n.º 2 do artigo 66.º da Lei Geral Tributária (doravante, LGT) de que os interessados «podem recorrer ou impugnar a decisão final com fundamento em qualquer ilegalidade». A conclusão lógica desta linha de argumentação é de que a impugnação autónoma do ato de cessação do benefício fiscal corresponderia a uma verdadeira faculdade do contribuinte, que poderia ou não utilizá- -la, sem quaisquer repercussões futuras, isto é, sem que a sua não utilização, por não contrariar ónus algum, inviabilizasse a impugnação da decisão final do procedimento, com base em vícios próprios daquele ato. Como se afirma no parecer junto pela recorrente aos autos, o objetivo da norma do artigo 54.º do CPPT seria «única exclusivamente conferir direitos acrescidos de impugnação» ao contribuinte (fls. 116). 11. O Tribunal Constitucional nunca teve oportunidade de se pronunciar sobre a norma sujeita a apre- ciação, não existindo, pois, apoio jurisprudencial para a solução do problema. Far-se-á, por isso, uma incur- são pela – pouca – doutrina e pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (doravante, STA), que produziu diversos arestos sobre a questão.
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