TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015
166 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL «(…) 2. Podem ser lesivos, nomeadamente: (…) h) Outros atos administrativos em matéria tributária.» 15. Temos dificuldade em compreender, nesta parte, o raciocínio subjacente à decisão recorrida. Aquilo que esta última disposição legal contém é uma enumeração exemplificativa de atos lesivos. Ora, esta enumeração, integrada num normativo que apresenta como epígrafe «Direito de impugnação ou recurso», parece ter a clara intenção de ampliar este direito, num contexto em que a regra geral é, recorde-se, a da impugnação unitária da decisão final Não se vê como se possa considerar a disposição legal em causa «a disposição expressa em sentido dife- rente» de que fala o segundo troço da previsão do artigo 54.º do CPPT. A referência a um sentido diferente apenas se compreende se o legislador estivesse a pensar em eventuais disposições legais prevendo a impugna- ção judicial autónoma e imediata de atos não lesivos. A desconstrução plausível do discurso normativo conduz ao seguinte resultado: «1.º Em procedimento administrativo tributário impugnam-se, em regra, as decisões finais; 2.º Tal regra cede perante a prática de atos interlocutórios lesivos, que os interessados podem (têm o direito de) imediatamente impugnar; 3.º A lei pode alargar expressamente esta impugnabilidade a outros atos interlocutórios. 4.º Quando o contribuinte opte por reservar a impugnação para a decisão final do procedimento pode invocar qualquer ilegalidade cometida durante o procedimento. O propósito do n.º 2 do artigo 95.º da LGT, com recurso à conhecida técnica da enumeração exemplificativa, foi a densificação do conceito de ato lesivo, constante do artigo 54.º do CPPT. Ora, uma vez operada esta densificação, ficou claro e incontroverso que o ato de cessação do benefício fiscal é um ato lesivo. A sua pretendida inclusão também no segundo troço da previsão do artigo 54.º do CPPT, de duas uma: a) Ou pretende (re)consagrar a faculdade de impugnação autónoma, que já resulta do primeiro troço da mesma previsão; b) Ou pretende legitimar a conversão daquela faculdade em ónus de impugnação autónoma.» Na primeira hipótese, a operação é redundante, mas inofensiva; na segunda, pode colocar problemas de constitucionalidade – aos quais somos, finalmente, chegados. 16. Esses problemas de constitucionalidade podem equacionar-se assim: o efeito preclusivo da não impugnação do ato de cessação do benefício relativamente à impugnação do ato de liquidação tributária, inviabilizando a invocação nesta de vícios daquele outro, reconhecido na decisão recorrida, é compatível com os direitos assegurados nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP? Esclareça-se que não se trata de apreciar se a existência de uma qualquer norma legal determinando a necessidade de impugnação autónoma imediata de um ato interlocutório praticado no âmbito de um proce- dimento tributário ofende os parâmetros constitucionais apontados. O que está em causa é, mais precisamente, apurar se o respeito por tais parâmetros constitucionais é compatível com a imposição, sem base legal adequada, do ónus de impugnação judicial autónoma e imediata de um ato interlocutório lesivo (ou simplesmente destacável), em termos de a invocação dos vícios próprios de tal ato se tornar impossível no âmbito da impugnação da decisão final do procedimento tributário. Isto, claro, tendo presente, por um lado, que o artigo 54.º do CPPT é, literalmente, uma regra sobre a possibilidade excecional de impugnar atos interlocutórios lesivos ou destacáveis; e, por outro, que n.º 2 do artigo 95.º da LGT não pode constituir «a lei expressa» a que se refere o segundo troço da previsão do artigo daquela norma, não se encontrando outra.
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