TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

167 acórdão n.º 410/15 17. Os parâmetros constitucionais invocados no recurso de constitucionalidade já foram, por várias vezes, analisados em arestos deste Tribunal. No Acórdão n.º 386/05, confrontado com a questão de saber se a administração tributária poderia, por sua iniciativa, promover a compensação de créditos fiscais desde o momento em que a dívida se torne exigível, não obstante ainda não se encontrar precludido o prazo para o exercício do direito de impugnação daquela, o Tribunal esclareceu: «Como tem sido concretizado pela jurisprudência deste Tribunal, o sentido tutelar emergente do parâmetro constitucional concretamente em causa impõe que se tenha por vedada “a criação de obstáculos que dificultem ou pre- judiquem sem fundamento e de forma desproporcionada o direito de acesso dos particulares aos tribunais em geral” (Acórdão n.º 1144/96, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 35.º Volume, p. 349), daí decorrendo justamente, a proscrição, constitucionalmente determinada, de qualquer regra que possa “diminuir intoleravelmente as garantias processuais do recorrente, ou implicar um cerceamento das suas possibilidades de defesa que se tenha de considerar desproporcionado ou intolerável (…)” (cfr. Acórdão n.º 266/00, disponível em www.tribunalconstitucional.pt ) » No Acórdão n.º 646/06, o Tribunal Constitucional foi colocado perante uma situação em que o contri- buinte considerava indispensável para a defesa dos seus interesses a produção de prova documental, algo que a lei, invocada pela Diretor-Geral dos Impostos, não permitia (artigo 146.º-B, n.º 3, do Código de Procedi- mento e de Processo Tributário). Disse então o Tribunal: «Também Jorge Miranda e Rui Medeiros ( Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 190, referem que, muito embora disponha o legislador de uma ampla margem de liberdade na concreta modelação do processo, não sendo incompatível com a tutela jurisdicional a imposição de determinados ónus às «partes», o que é certo é que o direito ao processo inculca que «os regimes adjetivos devem revelar-se funcionalmente adequados aos fins do processo e conformar-se com o princípio da proporcionalidade, não estando, portanto, o legislador autorizado, nos termos dos artigos 13.º e 18.º, n. os 2 e 3, a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva.» 18. No caso presente, a posição sustentada pela AGT tem como consequência, com o se assinalou já, que o contribuinte que não impugnou autonomamente o ato de cessação do benefício fiscal, como podia ter feito, deixa de poder impugnar a liquidação do imposto com fundamento em vícios daquele ato. Não pode deixar de se reconhecer que se trata de uma consequência muito onerosa para o contribuinte, permitindo a consolidação na ordem jurídica de atos que o prejudicam gravemente, como sucedeu no caso, com a impossibilidade de impugnar o ato de cessação do benefício fiscal, no âmbito do processo de impug- nação do ato de liquidação do imposto. Este prejuízo causado ao contribuinte ocorreu num contexto legal em que vigora inquestionavelmente o princípio da impugnação unitária e em que a impugnação autónoma de atos lesivos ou interlocutórios praticados no âmbito do procedimento administrativo tributário é configurada pela lei como uma faculdade do contribuinte, apenas justificada no quadro do reforço das suas garantias. O contribuinte poderia ter impugnado autonomamente a cessação do benefício fiscal. A sua escolha em não o fazer, porém, foi, naquele quadro legal, perfeitamente legítima: não só não se encontra qualquer norma legal que tenha operado a transformação da faculdade de impugnar em ónus de impugnar, como, tratando- -se, como se tratou, de ato lesivo, nem sequer seria admissível a existência de tal norma. A conclusão a extrair somente pode ser uma: ao impedir que a impugnação do ato de liquidação do imposto se funde em vícios próprios do ato de cessação do benefício fiscal, a interpretação que a decisão recorrida fez do artigo 54.º do CPPT desprotege gravemente os direitos do contribuinte, assim ofendendo princípio da tutela judicial efetiva e o princípio da justiça, inscritos nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP.

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