TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015
181 acórdão n.º 412/15 da Lei n.º 59/98, de 25 de agosto), «por o acórdão da Relação consubstanciar a garantia do duplo grau de jurisdição, tendo em conta que perante ela o arguido tem a possibilidade de expor a sua defesa». Depois de enunciar os fundamentos do direito ao recurso como sendo (i) a redução do risco de erro judiciário; (ii) a garantia de melhor qualidade da decisão e (iii) a nova oportunidade de defesa e de entender que todos eles entroncam na garantia do duplo grau de jurisdição, o Tribunal Constitucional concluiu, no citado aresto, que «o acórdão da Relação, proferido em 2.ª instância, consubstancia a garantia do duplo grau de jurisdição, indo ao encontro precisamente dos fundamentos do direito ao recurso» uma vez que os acórdãos condenatórios proferidos em recurso de decisões de primeira instância «resultam justamente da reapreciação por um tribunal superior (o tribunal da relação), perante o qual o arguido tem a possibilidade de expor a sua defesa». Em conformidade com o quadro de análise descrito, o Tribunal considerou que «estando cumprido o duplo grau de jurisdição, há fundamentos razoáveis para limitar a possibilidade de um triplo grau de juris- dição, mediante a atribuição de um direito de recorrer de decisões condenatórias. Tais fundamentos são a intenção de limitar em termos razoáveis o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, evitando a sua eventual paralisação, e a circunstância de os crimes em causa terem uma gravidade não acentuada» e, em face disso, entendeu não se poder considerar infringido o n.º 1 do artigo 32.º da Constituição pela norma ali objeto «já que a apreciação do caso por dois tribunais de grau distinto tutela de forma suficiente as garantias de defesa constitucionalmente consagradas». 18. São conhecidas as críticas que têm sido feitas por alguma doutrina à confusão entre “direito ao recurso”, enquanto garantia de defesa do arguido, enunciada no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, e garan- tia do duplo grau de jurisdição (cfr., entre outros, Francisco Aguilar, “Direito ao recurso, graus de jurisdição e celeridade processual”, in O Direito , ano 138, 2006; Miguel Ângelo Lemos, “O direito ao recurso da decisão condenatória enquanto direito constitucional e direito humano fundamental”, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Jorge de Figueiredo Dias, vol. III). Independentemente daquela discussão, no presente Acórdão proceder-se-á a uma análise da questão de constitucionalidade colocada que procurará não se afastar do percurso argumentativo adotado na jurispru- dência do Tribunal. Nesse contexto, importa determinar se o regime legal dos recursos em processo penal do CPP de 2007 permite continuar a concluir, na esteira do Acórdão n.º 49/03, que o «o acórdão da relação, proferido em 2.ª instância, consubstancia a garantia do duplo grau de jurisdição, indo ao encontro precisa- mente dos fundamentos do direito ao recurso», permitindo a reapreciação do caso perante um tribunal supe- rior e tendo o arguido possibilidade de exercer uma defesa informada. A questão que se coloca é, portanto, a de saber se à luz do atual regime de julgamento dos recursos em processo penal ainda é possível considerar que a mera apreciação por dois tribunais de graus distintos assegura suficientemente as garantias de defesa do arguido absolvido em primeira instância e condenado na instância de recurso de forma a permitir concluir pela não violação do direito ao recurso previsto no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição. A resposta não pode deixar de ser negativa. Na apreciação da norma impugnada não é possível ignorar as significativas alterações introduzidas pela revisão do CPP de 2007, que permitem identificar linhas diferen- ciadoras do regime de recursos em processo penal hoje vigente relativamente à versão do CPP que originou a jurisprudência do Acórdão n.º 49/03. Tão-pouco podem ser esquecidas as dúvidas da doutrina sobre estas alterações na arquitetura do julgamento de recurso, nomeadamente a substancial ampliação introduzida na margem para a revisão da matéria de facto pela 2.ª instância. 19. A revisão do CPP diminuiu de forma significativa a colegialidade das decisões dos tribunais supe- riores, passando a intervir na tomada de decisão apenas o presidente da secção (que, porém, só vota, para desempatar), o relator e um juiz-adjunto (artigos, 419.º, n. os 1 e 2, 429.º, n.º 1 e 435.º), sendo que ante- riormente intervinham dois juízes-adjuntos nas audiências de julgamento dos recursos nas Relações e três juízes-adjuntos no julgamento dos recursos no Supremo Tribunal de Justiça. Simultaneamente dificultou-se
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