TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

182 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL a existência de audiência de recurso, ao prever a sua realização apenas mediante requerimento do recorrente, especificando os pontos da motivação que pretende ver debatidos (artigo 411.º, n.º 5), passando nos demais casos o recurso a ser decidido em conferência (artigo 419.º, n.º 5), quando não o deva ser por Decisão Sumá- ria do relator (artigo 417.º, n.º 6). A “oralidade” passou de regra a exceção. Como notado por Simas Santos, «Quer a versão originária do Código de Processo Penal, quer a revisão de 1998 fizeram uma forte profissão de fé no princípio da oralidade na estrutura dos recursos, que agora é marginalizada (…)» (Manuel Simas Santos, ob. cit. , p. 356). Também a renovação da prova perante o tribunal de recurso é tratada como uma excepção (artigo 430.º). Assim, na normalidade dos casos, não é realizada audiência e, nos casos em que ela tem lugar, apenas excecionalmente pode ter lugar a renovação da prova, não tendo o tribunal superior contacto direto e ime- diato com a prova ou com o arguido. Num tal contexto, uma absolvição decidida em primeira instância, em tribunal coletivo (por três juízes), após audiência, com a presença do arguido e com produção de prova, pode ser revogada, em recurso, por uma condenação em pena de prisão efetiva decidida, em conferência, (por dois juízes: o relator e um juiz-adjunto, já que o presidente da secção apenas vota em caso de empate), sem audiência e sem renovação da prova – condenação essa irrecorrível. 20. Apesar de, como já referido, serem excecionais, os casos em que a Relação procede à renovação de prova nos termos previstos no artigo 430.º, n.º 1, do CPP no âmbito de audiência requerida nos termos do artigo 411.º, n.º 5, importa equacionar essa hipótese no presente julgamento, uma vez que também essa via pode justificar a substituição da absolvição pela condenação no âmbito do recurso. Ora, nestas circunstâncias, não é de todo possível afirmar que a decisão condenatória proferida na Relação tem por base o mesmo objeto da decisão recorrida. Por conseguinte, não pode concluir-se que o novo julgamento na instância de recurso acautela devidamente a oportunidade de defesa, como decorria da jurisprudência decorrente do Acórdão n.º 49/03. É que no momento em que o arguido contra-alega (visto que não é ele o recorrente), para além de serem ainda desconhecidos os fundamentos da decisão que o irá condenar, designadamente a matéria de facto, ou a fundamentação para alterar o julgamento realizado no tribunal de julgamento, ignora-se ainda o resultado das provas objeto de renovação na Relação. Como oTribunal Constitucional tem também reiteradamente afirmado «o exercício do direito ao recurso está naturalmente dependente do integral conhecimento da decisão que se pretende impugnar» (Acórdão n.º 148/01). A tanto postula o direito de recurso, as garantias de defesa e o princípio do contraditório no âmbito do processo penal (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição): os destinatários de uma decisão jurisdicional devem ter ou poder ter conhecimento do seu conteúdo, nomeadamente para contra ela poderem reagir atra- vés dos meios processuais adequados (vide entre outros, Acórdãos n. os 183/98 e 384/98). Se assim é, a susceptibilidade de renovação de prova em recurso não é compatível com a consideração de o direito de defesa do arguido se encontrar protegido pela simples possibilidade de contra-alegar no âmbito do recurso interposto da decisão absolutória de primeira instância. 21. A evolução verificada no regime de recursos em processo penal bastaria para afastar a transposição da jurisprudência decorrente do Acórdão n.º 49/03 para o julgamento da norma ora in judicio . Existem, de todo o modo, razões adicionais para concluir de forma diferente do julgamento de consti- tucionalidade então realizado. Desde logo, independentemente da verificação, ou não, de renovação de prova, o certo é que numa situação em que a uma absolvição de primeira instância sucede a condenação em pena de prisão, no tribunal de recurso, o arguido se vê necessariamente confrontado com uma pena de privação de liberdade cuja medida não tem oportunidade de questionar. Neste caso, os critérios judiciais de determinação, em concreto, da medida adequada da pena escapam a qualquer controlo, o que bem demonstra que o direito ao recurso do arguido, não se esgota na garantia do duplo grau de jurisdição. Trata-se de uma clara e evidente violação do

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