TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015
183 acórdão n.º 412/15 direito ao recurso, constitucionalmente configurado como um direito fundamental, enquanto expressão das garantias de defesa do arguido consagrada no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição. Acresce que a garantia do duplo grau de jurisdição não elimina o risco de erro judiciário. Tão-pouco é possível afirmar-se que conduz à sua redução em todos os casos. Na verdade, se a “dupla conforme” abso- lutória ou condenatória pode ser encarada como um indício seguro de inexistência de erro de julgamento, e por isso constitui um instrumento legal de limitação à recorribilidade das decisões judiciais, o cenário de divergência do sentido decisório afirmado na instância de julgamento e na instância de recurso, que ocorre neste caso, permite legitimar a dúvida sobre a justiça da decisão. Finalmente, não se ignora que a possibilidade de recurso, neste caso, pode levar à assimetria do regime em favor da defesa. Todavia, na configuração dos graus de recurso em processo penal não deve perder-se de vista que da circunstância de o arguido não poder ter menos direitos do que a acusação, não significa que não possa ter mais. Diante da desigualdade material de partida entre a acusação, apoiada no poder institucional do Estado, e o arguido, alvo de perseguição judiciária, aceita-se «“uma orientação para a defesa” do processo penal» o que «revela que ele não pode ser neutro em relação aos direitos fundamentais (um processo em si, alheio aos direitos do arguido), antes tem nele um limite infrangível» (J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4.ª edição revista, 2007, p. 516). Sendo diversificadas as soluções configuráveis no sistema de recursos em processo penal com vista à harmonização do interesse na optimização dos recursos e o célere funcionamento da justiça com os direi- tos de defesa do arguido, designadamente o direito de recorrer de uma condenação em pena privativa da liberdade (para uma perspetiva das várias soluções avançadas pela doutrina, vide Sandra Oliveira e Silva, ob. cit. , pp. 283 e segs.), indispensável é que a racionalização do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça não seja alcançada à custa do sacrifício dos direitos fundamentais de defesa do arguido. 22. A acrescer a tudo isto, como já foi referido, o legislador de 2007 substituiu o critério para aferir a irrecorribilidade da decisão da Relação proferida em recurso baseado na “pena abstratamente aplicável” pelo critério da “pena concretamente aplicada”, para além de tornar irrecorríveis as condenações em pena não privativa da liberdade [artigo 400.º, n.º 1, alínea e) ]. Como observado por Germano Marques da Silva esta «alteração à alínea e) alarga, por uma parte, e res- tringe, por outra, a admissibilidade do recurso. Antes das alterações não era admissível recurso das decisões proferidas pelas relações, em recurso, em processo por crime a que fosse aplicável pena de multa ou pena de prisão não superior a cinco anos (…). Agora, após a alteração, não é admissível recurso dos acórdãos da relação, proferidos em recurso, que apliquem pena não privativa da liberdade. Há, pois, um alargamento da admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sendo que o pressuposto deixa de ser a pena aplicável (prisão superior a cinco anos) para passar a ser a pena aplicada, desde que seja a prisão, mas também uma restrição porque passa a atender-se apenas à pena concretamente aplicada, só sendo admissível o recurso quando essa pena seja de prisão» (Germano Marques da Silva, “Sobre recursos em processo penal”, a Reforma do Sistema Penal em 2007 – Garantias e Eficácia , coordenação de Conceição Gomes e José Mouraz Lopes, Coimbra Editora, p. 53). 22.1. O exercício do direito ao recurso exige um grau de certeza e de determinabilidade do processo, das suas fases, incidentes e prazos. Estas exigências são especialmente importantes no âmbito do processo penal, quando pode estar em causa a privação da liberdade do arguido e na medida em que o direito ao recurso se encontra constitucionalmente protegido. Ora, com a adoção do critério da “pena concretamente aplicada” para estabelecer a recorribilidade das decisões o legislador introduziu imprevisibilidade nos graus de recurso abertos ao julgamento de cada caso. De facto, passa a depender da medida da pena aplicada na decisão judi- cial a possibilidade de dela existir recurso. Esta imprevisibilidade é significativa ao nível da diminuição dos direitos de defesa do arguido. Não é, com efeito, indiferente à estratégia da defesa, a ponderação dos recursos admissíveis tal como não é indiferente à verificação das garantias de defesa, designadamente na vertente do
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