TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015
184 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL direito ao recurso constitucionalmente protegido, a composição do tribunal de julgamento e o modelo de audiência adotado. 22.2. A substituição do inciso “pena aplicável” por “pena aplicada” acarreta ainda uma outra conse- quência não negligenciável: a circunstância de a admissibilidade de recurso se encontrar, em última análise, dependente da decisão da própria instância que profere a decisão, como, de resto, tem sido já criticamente assinalado por variados autores. De facto, dependendo a recorribilidade do acórdão da medida da pena de prisão que é fixada nesse mesmo acórdão, pode colocar-se a questão de ser o tribunal a quo a determinar se cabe ou não recurso da sua própria decisão. Como refere Damião da Cunha, «parece-nos de meridiana clareza que um sistema legal que estabelece que o tribunal de recurso decide da possibilidade de recurso da sua própria decisão é a “negação”, em matéria de transparência da Administração da Justiça. A circunstância de a relação ter o poder de aplicar pena de 5 ou 6 anos de prisão ou então 7 ou 9 anos e, só em função disso, decidir da possibilidade de recurso da sua pró- pria decisão (…) eis o que não parece ser muito consentâneo com um sistema judiciário “civilizado”» (José Manuel Damião da Cunha, «Aspetos da Revisão de 2013 do CPP – Algumas notas e apreciações críticas», in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 23, n.º 2, p. 240). As regras relativas à suscetibilidade de uma decisão ser recorrível as condições de exercício do direito ao recurso da decisão judicial devem ser fixadas, de modo transparente, por norma prévia, cognoscível e objetiva, de forma que a sua recorribilidade não fique depositada nas mãos do autor da decisão de que se pretende recorrer. 22.3. A diferença na previsão da norma ao passar a aludir a “pena aplicada” em vez de “pena aplicável” tem também consequências ao nível de um outro argumento esgrimido no Acórdão n.º 49/03. Ao eleger como critério a pena concretamente aplicada para determinar a irrecorribilidade da decisão condenatória de segunda instância, antecedida de absolvição na primeira instância, o legislador permitiu a sua aplicação à condenação por qualquer crime punível com pena de prisão, inclusivamente aqueles que são puníveis com a mais grave moldura penal abstratamente aplicável. Neste quadro, continuar a falar de “crimes de gravidade menos acentuada” como elemento justificador da limitação de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça não constituirá, porventura, a melhor análise do problema. A verdade é que a norma tal como hoje se apresenta abarca na sua previsão os mais graves crimes abstratamente tipificados na ordem jurídica. 23. Em conclusão, não é sustentável defender, hoje, perante o novo contexto do regime processual penal em que se apresenta a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea e) , do CPP, a sua não inconstitucionalidade na esteira do Acórdão n.º 49/03. Efetivamente, a observância do duplo grau de jurisdição não se encontra cons- truída hoje de forma a permitir afastar a invocação das garantias constitucionais de defesa, como o direito ao recurso em processo penal, no caso da norma em análise. Esta conclusão tem por base a desconformidade da norma objeto do processo com as garantias de defesa, onde se inclui o direito ao recurso, previstas no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição. De facto, sendo razoável limitar o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça em ordem a prevenir a sua eventual paralisação, tal não deve, todavia, ser alcançado à custa das garantias de defesa do arguido. É o que acontece neste caso. O artigo 32.º, n.º 1, da Constituição assegura ao arguido todas as garantias de defesa, incluindo o direito de recurso, designadamente da decisão condenatória. A consagração deste direito de recurso obriga à recorribilidade pelo arguido de acórdão condenatório em pena privativa da liberdade profe- rido em segunda instância, em revogação de absolvição da primeira instância. Já se explanou o porquê desta conclusão, face ao regime atual de recursos em processo penal. O direito do arguido ao recurso da sua con- denação não se basta com o exercício do contraditório no recurso interposto pelo assistente da sua absolvição – o direito ao recurso é o efetivo poder de suscitar uma reapreciação da decisão jurisdicional condenatória. Para tal, o arguido tem que poder conhecer os fundamentos dessa decisão, o que não é possível garantir com a norma em apreciação, desde logo porque a decisão condenatória pode integrar matéria não abrangida pela
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