TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

185 acórdão n.º 412/15 decisão de primeira instância, designadamente no que respeita ao acervo factual relevante para a escolha e determinação da medida da pena aplicada. Mesmo que esse processo decisório se sustente apenas nos factos apurados em primeira instância, ele implicará necessariamente uma valoração assente num critério de dosea- mento da medida da pena que ao arguido só é revelado com a sua condenação. Só após a decisão ser proferida é que pode existir verdadeiro exercício do direito de recurso quanto a essa decisão. Sendo assim, imperioso é concluir que a irrecorribilidade da decisão condenatória, em segunda instân- cia e em revogação da absolvição proferida em primeira instância, viola as garantias de defesa do arguido, em especial o seu direito ao recurso consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição. De facto, a norma constante do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, ao resolver contra o arguido a situação de contradição entre a decisão de primeira e segunda instâncias, recusando-lhe a possibilidade de reação a uma condenação, viola concretamente os seus direitos de defesa, violação que, como se depreende das palavras de Figueiredo Dias, constitui simultaneamente «porventura, entre nós, uma das mais extensas e diretas – de um direito, liberdade e garantia fundamental» ( ob. cit. , pp. 80-81). Diga-se, aliás, que só esta conclusão se encontra em linha com a garantia de direito de recurso constante do artigo 14.º, n.º 5, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (aprovado para ratificação, por Portugal, pela Lei n.º 29/78, de 12 de junho), nos casos em que a condenação é imposta por um tribunal de recurso, após absolvição em primeira instância (cfr. Comité dos Direitos do Homem das Nações Unidas, General Comment n.º 32 , Article 14, CCPR/C/GC/32, 23 de agosto de 2002). 24. Em face do exposto, impõe-se concluir que a norma sindicada viola as garantias de defesa em pro- cesso penal, em especial o direito ao recurso, decorrentes do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, ao prever a inadmissibilidade de recurso do acórdão da Relação, que invertendo o julgamento absolutório proferido pelo tribunal de julgamento em primeira instância, afirma um juízo de culpabilidade do arguido e condena-o em pena de prisão efetiva até cinco anos de prisão. III – Decisão Em face do exposto, decide-se: a) Julgar inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea e) , do CPP, resultante da revisão introduzida no Código de Processo Penal pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, que estabelece a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovatoriamente face à absolvição ocorrida em 1.ª instância, condena os arguidos em pena de prisão efetiva não superior a cinco anos, por violação do direito ao recurso enquanto garantia de defesa em processo criminal (artigo 32.º, n.º 1, da Consti- tuição). b) Consequentemente, conceder provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida que deverá ser reformulada em conformidade com o presente juízo de inconstitucionalidade. Sem custas. Lisboa, 29 de setembro de 2015. – Maria de Fátima Mata-Mouros – João Pedro Caupers – Maria Lúcia Amaral (vencida, conforme declaração que junto) – Joaquim de Sousa Ribeiro. DECLARAÇÃO DE VOTO 1. Se há domínio no qual a jurisprudência do Tribunal sempre procurou realizar o necessário equilí- brio entre uma eficaz protecção dos direitos fundamentais das pessoas, por um lado, e a possibilidade de

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