TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015
189 acórdão n.º 412/15 É certo que diversa se apresenta a interpretação dada pelo Comité dos Direitos do Homem das Nações Unidas ao disposto no artigo 14.º, n.º 5, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP), aprovado para ratificação, por Portugal, pela Lei n.º 29/78, de 12 de junho. Neste preceito, determina o PIDCP: «Qualquer pessoa declarada culpada de crime terá o direito de fazer examinar por uma jurisdição superior a declaração de culpabilidade e a sentença em conformidade com a lei». Apesar de não decorrer do teor desta disposição que nela se imponha a recorribilidade de qualquer primeira condenação em pena de prisão, proferida em instância de recurso na sequência de uma anterior decisão absolutória, a leitura que dela tem feito o Comité dos Direitos do Homem vai, claramente, no sentido de que, se assim não for – se se não assegurar a recorribilidade dessa primeira condenação – se encontra violado o n.º 5 do artigo 14.º do Pacto [Comentário Geral n.º 32, parágrafo 47]. E, como já se disse, é nesta leitura que se estriba agora a maioria do Tribunal, para, no presente Acórdão, reverter a sua jurisprudência anterior sobre o entendimento a dar ao direito ao recurso, consagrado no n.º 1 do artigo 32.º da CRP. Todavia, e sem descurar o facto de semelhante leitura dever sempre ser considerada como importante auxiliar hermenêutico na descoberta do sentido a atribuir às normas da CRP (artigo 16.º, n.º 2), não deve, a meu ver, perder-se de vista que à mesma não deve ser atribuída o valor que é próprio de interpretações adoptadas por órgãos jurisdicionais, pertençam eles a sistemas nacionais de justiça constitucional ou – como é o caso do TEDH – integrem eles sistemas supranacionais de protecção de direitos. Com efeito, é bom não esquecer, as «constatações» do Comité dos Direitos do Homem, feitas no âmbito do «mecanismo» de apreciação de comunicações instituído pelo Protocolo Facultativo referente ao PIDCP de 16 de dezembro de 1966, apenas se referem à eventual existência de uma violação do Pacto no caso concreto; por sua vez, as «observações gerais» dirigidas pelo Comité aos Estados signatários – como será o caso do referido Comentário Geral n.º 32 –, para além de estarem destituídas de valor vinculativo, não podem ser tidas como «interpreta- ções autênticas» do Pacto [artigos 40.º, 41.º e 42.º do PIDCP, e artigo 5.º, n.º 4, do Protocolo Facultativo]. Aliás, creio que convirá a este respeito prestar alguma atenção ao que tem sido a orientação constante, construída em diálogo com o disposto no n.º 5 do artigo 14.º do PIDCP, de uma jurisdição constitucional a vários títulos próxima da nossa. Interpretando o artigo 24.º da Constituição espanhola (que consagra, no seu n.º 1, o direito a uma tutela judicial efetiva, e, no seu n.º 2, o direito a um processo equitativo, que assegure todas as garantias de defesa), o Tribunal Constitucional espanhol tem dito [e transcrevo excertos que me parecem significativos destas decisões, não obstante a sua extensão] que: «ninguna vulneración comporta per se la declaración de un pronunciamiento condenatorio en segunda instancia, sin que por ello resulte constitucio- nalmente necesaria la previsión de una nueva instancia de revisión en una condena que podría no tener fin» (Sen- tença n.º 120/1999, de 28 de junho de 1999, parágrafo 4 [ Boletin Oficial del Estado, BOE , n.º 181 de 30 de julho de 1999, pp. 19-24]). E ainda: «[l]a ausencia de un instrumento de revisión de la Sentencia condenatoria en apelación no supone la ausencia de una garantía procesal de rango constitucional. No forma parte esencial de la que incorpora el artigo 14.5 PIDCP como instrumento de interpretación del derecho a un proceso con todas las garantías (artigo 24.2 CE) la constituida por la existencia en todo caso tras una condena penal de la posibilidad de un pronunciamiento posterior de un Tribunal superior, pronunciamiento que podría ser el tercero en caso de que la resolución inicial fuera absolutoria o incluso en caso de que la de revisión aumentase la pena inicialmente impuesta. Lo que en este contexto exige el contenido de la garantía, que se ordena tanto al ejercicio de la defensa como a la ausencia de error en la decisión judicial, es que en el enjuiciamiento de los asuntos penales se disponga de dos instancias» [Sentença n.º 296/2005, de 21 de novembro de 2005, parágrafo 3 ( BOE n.º 304 de 21 de dezembro de 2005, pp. 18-23)]. Para fundamentar esse seu entendimento, adoptado pelo menos nestas duas decisões datadas de 1999 e de 2005, argumenta ainda o Tribunal que «[...] no es misión de este Tribunal proponer una regulación constitu- cionalmente óptima de los recursos en el procedimiento penal ni valorar la vigente en términos de mayor o menor adecuación a los valores constitucionales, sino simplemente determinar si el recurso invocado por los recurrentes constituye una garantía exigida por el artigo 24.2 de la Constitución. Para la mejor comprensión de nuestra respuesta negativa a esta cuestión y de nuestra doctrina jurisprudencial al respecto es de señalar también que los
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