TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

21 acórdão n.º 408/15 n.º 3, da Lei n.º 41/2013. Tendo em conta a exclusão dos documentos particulares elencados no artigo 46.º, n.º 1, alínea c) , do anterior CPC da lista de títulos executivos constante do artigo 703.º do CPC e a aplicabilidade deste a todas as execuções iniciadas após a entrada em vigor da Lei n.º 41/2013, nos termos do seu artigo 6.º, n.º 3, terá de concluir-se que é retirada força executiva a documentos particulares que anteriormente a detinham, se ainda não acionados. É esta afetação, a nível processual, da posição creditória, ocasionada pela alteração legislativa, que configura a questão de constitucionalidade aqui em causa. O problema não se prende, portanto, com a solução material contida no artigo 703.º do CPC, ou seja, com o novo elenco de títulos executivos, a sua maior ou menor extensão ou a integração ou não de deter- minado documento. As decisões legislativas neste domínio têm incidência direta nos interesses particulares contrapostos, encabeçados por duas categorias distintas de sujeitos privados: credores e devedores (cfr. M. Teixeira de Sousa, “Anotação ao Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 847/14, de 3 de dezembro de 2014”, in Cadernos de direito privado, n.º 48, 2014, pp. 12 segs.). Não há qualquer critério constitucional que imponha a preferência por um desses interesses, pelo que nos encontramos no domínio de uma livre opção legislativa. Não é esse, no entanto, como se referiu, o objeto do presente processo. 7. A análise da questão não convoca, portanto, um problema de confronto entre direitos de privados, o credor e o devedor, mas a eventual afetação do direito fundamental de acesso dos cidadãos aos tribunais da República (artigo 20.º, n.º 1, da Constituição). Como o Tribunal Constitucional já referiu, no Acórdão n.º 847/14, n.º 9, «o direito à execução é um direito que se dirige contra o Estado, constituindo uma mani- festação do direito público de ação, enquanto direito à tutela jurisdicional efetiva (…)», tendo a natureza de «direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias», pelo que «beneficia do regime de proteção do artigo 18.º da Constituição». Com esse enquadramento, poderia questionar-se se existiria uma violação da proibição da aplicação retroa- tiva de leis restritivas (artigo 18.º, n.º 3, da Constituição). O artigo 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013 estabelece a aplicação do novo CPC, no que respeita aos títulos executivos, apenas às execuções iniciadas após a sua entrada em vigor, de onde decorre a não aplicação do artigo 703.º do novo CPC às ações pendentes. Assim, como logo ficou salientado no Acórdão n.º 847/14, n.º 10, «tratando-se de uma alteração legislativa que se aplica apenas aos processos de execução iniciados após a sua entrada em vigor, repercute-se apenas para o futuro. Por via dela, não é retirado carácter executivo a títulos que tenham produzido já a sua eficácia executiva, não sendo atingidos processos de execução baseados em títulos que deixaram de o ser. Nessa medida, não colide com o princípio da proibição da aplicação retroativa das leis restritivas do direito de acesso aos tribunais». Não sendo convocável a regra de proibição expressa e automática de retroatividade das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias, a situação recai, porém, no campo normativo do princípio da proteção da confiança dos cidadãos, ínsito no princípio do Estado de direito, que se encontra consagrado no artigo 2.º da Constituição. Foi esse o parâmetro de controlo adequado à apreciação desta questão de constitucionalidade que foi considerado nas decisões judiciais que legitimam a presente generalização. Efetivamente, a mudança legislativa operada pela norma em análise não afeta os efeitos jurídicos produzidos sob o domínio do direito anterior, na medida em que não é retirado carácter executivo a títulos que já tenham produzido a sua efi- cácia executiva. Indubitável é, todavia, que afeta situações passadas, recusando o reconhecimento da força executiva a documentos particulares que antes a tinham, desta forma desvalorizando a posição do credor de modo com que este não podia contar. É, portanto, à luz do princípio da proteção da confiança que terá que ser apreciada a sua conformidade constitucional. c) Apreciação da questão à luz do princípio da proteção da confiança 8. O princípio da proteção da confiança assume, na jurisprudência constitucional portuguesa, um con- teúdo normativo preciso, que faz depender a tutela da confiança legítima dos cidadãos da verificação de alguns requisitos ou testes cumulativos.

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