TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015
210 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL de pôr em causa o processo equitativo, por se entender que a decisão sumária assenta necessariamente numa fundamentação que é já do conhecimento geral, por resultar de jurisprudência consolidada, ou é facilmente apreensível pelo interessado por se tratar de questão evidente. Em contrapartida, a intervenção do relator em substituição da formação de três juízes fora do preciso condicionalismo do artigo 27.º, n.º 1, provoca um injustificado agravamento da posição processual da parte, seja porque há uma preterição da competência-regra, seja porque a parte, não estando em causa questão simples, passa a dispor de um prazo de reação mais curto. E não basta dizer que a parte sempre poderá deduzir previamente reclamação para a conferência, ainda que em termos meramente perfunctórios, salvaguardando a possibilidade de utilizar um prazo mais longo de recurso para reagir em termos mais substanciais e fundamentados ao conteúdo desfavorável da decisão. É que exigência de um meio processual que tenha uma natureza meramente formal ou instrumental para abrir caminho à ulterior interposição de recurso jurisdicional – sendo este o meio próprio para discutir a com- plexidade das questões jurídicas colocadas pela sentença –, não deixa pôr em causa a exigência do processo equitativo, entendido este como a conformação do processo de forma materialmente adequada a uma tutela jurisdicional efetiva. 7. Sendo embora certo que o legislador dispõe de uma ampla margem de livre apreciação na definição da tramitação do processo, designadamente no que se refere aos requisitos de forma dos atos das partes, aos ónus processuais que sobre estas incidem e às cominações que resultam da inobservância das regras processuais, é ponto assente que essa matéria não é imune aos princípios constitucionais e que os regimes adjetivos deverão mostrar-se funcionalmente adequados aos fins do processo, de modo a não traduzirem imposições sem sen- tido útil ou razoável, e não poderão impossibilitar ou dificultar de modo excessivo a atuação processual das partes, nem estabelecer consequências ou preclusões que sejam desproporcionadas em relação à gravidade da falta que é imputada. Neste sentido, a título de exemplo, veja-se o Acórdão n.º 468/01, que julgou inconstitucional a inter- pretação dos artigos 668.º, n.º 1, alínea d) , 669.º, n.º 1, alínea a) , e 670.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, segundo a qual, apresentado o requerimento de aclaração do acórdão, não podia a mesma parte arguir ulteriormente a respetiva nulidade, ficando coartada quanto ao recurso a esse mecanismo processual, ou o Acórdão n.º 260/02, que julgou inconstitucional a norma do artigo 411.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, quando entendida no sentido de que o recurso é rejeitado sempre que a motivação não acompanhe o requerimento de interposição de recurso, ainda que a falta decorra de lapso objetivamente desculpável e seja sanada antes de decorrido o prazo fixado para recorrer. Dentro dessa mesma linha de entendimento, e como decorrência do princípio do processo equitativo, não são também aceitáveis as interpretações normativas que de forma inovatória e surpreendente, face aos textos legais e às orientações consolidadas da jurisprudência, venham impor exigências formais com que as partes não podiam razoavelmente contar e sancionem o incumprimento desculpável desses requisitos em termos definitivos e irremediáveis, de modo a impedir qualquer forma de suprimento ou correção (neste sentido, Lopes do Rego, “Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade dos ónus e cominações e o regime de citação em processo civil”, in Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, Coimbra, 2003, p. 840). É esta a situação analisada no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 413/02, que julgou inconstitucional a norma do artigo 405.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que a reclamação aí prevista não é meio adequado de impugnação do despacho de não admissão do recurso quando nela se suscitam questões complexas, em que veio a concluir-se pela total imprevisibilidade de uma tal interpretação na medida em que a norma não contém qualquer ressalva em função da pretensa complexidade das questões a resolver. Por outro lado, nesse mesmo aresto, o Tribunal considera que não pode deixar de ponderar, na aprecia- ção da questão de constitucionalidade, e para aferir da previsibilidade da interpretação normativa adotada, as orientações jurisprudenciais que são seguidas, de forma pacífica, maioritária ou suficientemente sedimentada,
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