TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015
211 acórdão n.º 442/15 quanto aos textos legais que devam ser aplicados (ainda sobre a necessidade de o Tribunal Constitucional analisar e ponderar as diferentes correntes jurisprudenciais e doutrinárias existentes antes de decidir se certa exigência de forma é ou não imprevisível, Lopes do Rego, ob. cit. , pp. 847-848). E nesse sentido não poderá considerar-se conforme aos princípios da segurança jurídica e do processo equitativo a imposição de ónus processuais com que a parte, agindo com a diligência devida e ponderando as correntes jurisprudenciais então vigentes, não pudesse razoavelmente antecipar. 8. No caso vertente, já se sublinhou que as normas do artigo 27.º, n.º 1, alínea i) , e n.º 2, do CPTA, na medida em que impõem a reclamação para a conferência de decisão sumária proferida pelo relator, não são de interpretação inequívoca, quando aplicáveis às decisões emitidas pelo juiz singular em primeira instância, não podendo estabelecer-se um paralelismo absoluto com o mecanismo tradicionalmente previsto na lei processual para os recursos cíveis. E, por outro lado, à data em que foi interposto o recurso jurisdicional, a jurisprudência maioritária, nessas situações, quer nos tribunais de primeira instância quer nos tribunais centrais administrativos, era no sentido de admitir o recurso, posição que só foi alterada na sequência do acórdão de uniformização de juris- prudência de 5 de junho de 2012 (Acórdão n.º 3/13), muito depois da entrada do recurso, e num momento em que, em condições de normalidade, o recurso já deveria ter sido apreciado e julgado quanto ao mérito. Sendo que, no caso concreto, a decisão proferida pelo tribunal a quo não poderia caraterizar-se como uma decisão sumária, nos termos e para os efeitos da alínea i) do n.º 1 do artigo 27.º, por não se tratar manifestamente de decisão sobre questão simples ou cuja fundamentação tenha sido abreviada ou feita por remissão, colocando dúvidas acrescidas quanto à viabilidade de aplicação do regime processual previsto nessa disposição. E, nesse circunstancialismo, não resultando do processo que tivesse havido intervenção de um órgão colegial de julgamento, a prolação de decisão por juiz singular na qualidade de relator, teria não só de men- cionar a norma que habilita a emissão da decisão sumária, como deveria ser suficientemente fundamentada em termos de permitir ao interessado reagir pelo meio processual adequado à situação do caso. Para além disso, um regime legal ou a interpretação que os tribunais fazem desse regime não pode difi- cultar de modo excessivamente oneroso a atividade das partes, nem implicar consequências processuais que sejam desproporcionadas à gravidade e relevância da falta ou deficiência que lhes seja imputada. No caso concreto, o tribunal superior, ao decidir com base em jurisprudência posterior à data da inter- posição do recurso, que havia lugar a prévia reclamação para a conferência, determinou como necessária consequência que ficasse definitivamente precludida a possibilidade de a parte reagir contra a sentença por virtude de, à data da interposição do recurso – a que corresponde a um prazo mais amplo de 30 dias –, se encontrar já esgotado o prazo para a reclamação para a conferência. Essa consequência surge como mera decorrência do decurso do prazo, que era mais curto e corria desde a notificação da sentença, e que se encontrava já extinto à data em que foi prolatado o acórdão de rejeição do recurso, sem que ao interessado fosse dada qualquer possibilidade de suprimento. Isso apesar de o erro pro- cessual em que a parte incorreu ser objetivamente desculpável, não apenas porque a determinação do meio idóneo de reação não era inteiramente líquida do ponto de vista jurídico e a intervenção do juiz singular como relator não foi suficientemente fundamentada, mas também porque a parte seguiu a prática jurispru- dencial então geralmente aplicável que só foi alterada muito depois da data da interposição do recurso. Sem poder ignorar-se que a sujeição das partes a um prazo mais curto para reagir contra uma sentença, que, pela complexidade das questões que teve de apreciar, se não enquadra no contexto típico de uma decisão sumária, é em si mesmo contrária ao princípio da funcionalidade e proporcionalidade dos ónus processuais. 9. O artigo 20.º da Constituição garante o direito de acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, impondo igualmente que esse direito se efetive – na conformação norma- tiva pelo legislador e na concreta condução do processo pelo juiz – através de um processo equitativo (n.º 4).
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