TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

212 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Como se afirmou no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 413/10, esse é o princípio constitucional que mais intensamente vincula as escolhas do legislador ordinário na conformação das normas de processo, e embora ele tenha apoio textual expresso apenas nesse n.º 4 do artigo 20.º da Constituição, verdade é que através da garantia do processo justo ou equitativo se cumprem também outros valores constitucionalmente relevantes, como os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, decorrentes do artigo 2.º, e o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º (particularmente, no que respeita à “igualdade de armas”). Em idêntico sentido, em situação similar à agora analisada, o Tribunal também considerou que a «expressão constitucional de um processo equitativo é premeditadamente aberta, estando dotada de uma força expansiva que lhe permite alcançar aqueles casos, como o presente, em que o incumprimento de um ónus imprevisível é sancionado com a perda definitiva de um importante direito processual, como é o direito ao recurso», justificando-se nessas circunstâncias que a garantia do processo equitativo se entrecruze com outros parâmetros constitucionais como os que emanam do artigo 2.º da Constituição. E cabe ainda assinalar que a garantia do processo equitativo, para além do direito a uma solução jurídica dos conflitos em prazo razoável e a um correto funcionamento das regras do contraditório nas suas diversas vertentes, e do direito a prazos razoáveis de ação e de recurso, contempla também o direito à fundamentação das decisões, o que se torna particularmente relevante quando essa exigência é necessária para permitir às partes discernir os ónus processuais de reação que lhe são impostos e as consequências da sua inobservância (cfr. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, I vol., 4.ª edição, Coim- bra, pp. 415-416). No caso vertente, todas as considerações anteriormente expendidas e que se sintetizaram no precedente n.º 8, e, particularmente, a dúvida pertinente quanto à interpretação dos textos legais, a inaplicabilidade ao caso do regime previsto para a prolação de decisão sumária, a ausência de suficiente explicitação quanto ao uso de competência decisória como juiz relator, a imprevisibilidade do ónus processual imposto à parte face à prática jurisprudencial existente à data da interposição do recurso, o caráter excessivamente gravoso da consequência cominatória resultante da inobservância do ónus, e a desculpabilidade da conduta processual da parte, apon- tam para considerar que a interpretação normativa adotada pela decisão recorrida viola o princípio do processo equitativo em conjugação com os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança. E note-se que todas essas considerações não são meros dados do caso concreto que devam ser tidas como extravasando o conteúdo normativo que constitui objeto do recurso de constitucionalidade. São antes fatores de incerteza intraprocessual que são potenciados pelas normas do artigo 27.º, n.º 1, alínea i) , e n.º 2, do CPTA, tal como se elas encontram previstas e poderão ser genericamente aplicáveis a outros casos concretos. Por todo o anteriormente exposto, é possível concluir pela inconstitucionalidade das normas do artigo 27.º, n.º 1, alínea i) , e n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, na interpretação segundo a qual «das decisões relativas a ações administrativas especiais de valor superior ao da alçada, que tenham sido decididas por um juiz singular, sem menção de que essa decisão foi tomada ao abrigo da alínea i) do n.° 1 do artigo 27.° do CPTA, se deve reclamar necessariamente para a conferência, antes de se poder recorrer para o Tribunal Central Administrativo», por violação dos princípios do processo equitativo, da segurança jurídica e da proteção da confiança. Consequentemente, considera-se prejudicada a segunda interpretação normativa sindicada, cuja apre- ciação apenas se justificaria se se tivesse anteriormente por juízo de não inconstitucionalidade. III – Decisão Termos em que se decide: a) Julgar inconstitucional, por violação do princípio do processo equitativo em conjugação com os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, consagrados nos artigos 2.º e 20.º, n.º 4, da Constituição, a norma do artigo 27.°, n.º 1, alínea i) , do Código de Processo nos Tribunais

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