TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

22 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Tais requisitos foram analiticamente apontados e sistematizados pelo Acórdão n.º 129/08, a partir de critérios elaborados em jurisprudência anterior ( maxime, o Acórdão n.º 287/90, n. os  27-28). Desde aí vêm sendo reiteradamente utilizados pela jurisprudência do Tribunal, constituindo hoje um lastro aplicativo de acentuado valor no controlo da atividade do legislador [cfr., entre muitos outros, os Acórdãos n. os 176/12 (n.º 7), 187/13 (n. os  26, 31-32, 55, 57, 65), 355/13 (n.º 3), 862/13 (n. os  25 segs.), 202/14 (n.º 4), 413/14 (n. os  57 segs., 91 segs.), 575/14 (n. os  22 segs.)]. Os primeiros testes procuram escrutinar a consistência e a legitimidade das expetativas dos cidadãos afetados por uma alteração normativa, havendo de concluir-se que aquela existe quando (1) o legislador tenha encetado comportamentos capazes de gerar nestes cidadãos expetativas de continuidade, (2) estas expetativas sejam legítimas, justificadas e fundadas em boas razões, (3) e as pessoas tenham feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade do comportamento estadual. Caso todas estas condições se verifiquem, o percurso decisório quanto ao princípio da proteção da confiança culmina num exercício de ponderação entre interesses contrapostos, levado a cabo de acordo com o princípio da proporcionalidade em sentido estrito: de uma parte, a confiança (legítima) dos particulares na continuidade do quadro normativo vigente e, de outra, as razões de interesse público que motivaram a alteração. 9. Para decidir, no presente processo, se estamos perante uma confiança tutelável dos cidadãos há que atentar na natureza do título executivo. Sendo «a chave que abre a porta da ação executiva», na conhecida expressão de Castro Mendes, o título executivo constitui um pressuposto processual específico da ação executiva. Sem ele não pode ser instaurada, ou prosseguir, a ação executiva para cumprimento coercivo das obrigações. Para além de ser um requisito de admissibilidade da ação executiva, o título executivo é um documento escrito que tem valor probatório quanto à existência do direito de crédito, ou seja, que atesta, com suficiente grau de segurança, o conteúdo e os sujeitos da relação creditícia. O título de crédito não se confunde com o ato titulado, isto é, com o facto jurídico gerador do direito à prestação, mas condiciona a exequibilidade extrínseca da pretensão, para além de estabelecer uma presunção – ilidível – quanto à existência da obrigação exequenda (cfr. J. Lebre de Frei- tas, A ação executiva – À luz do Código de Processo Civil de 2013, Coimbra Editora, 2014, pp. 81 segs., e A. Abrantes Geraldes, “Títulos Executivos”, Themis , ano IV, n.º 7, 2003, p. 35). O referido enquadramento do título executivo conduz à classificação do seu regime como lei proces- sual. Neste âmbito releva, desde logo, para efeitos de aplicação da lei no tempo, um princípio de aplicação imediata da lei nova, que tem um duplo significado. Num primeiro sentido, indica que o processo não se rege pela lei vigente ao tempo em que se constitui ou extinguiu o direito ou relação jurídica litigada, mas antes pela lei vigente ao tempo do processo. Num segundo sentido, aponta para que a nova lei processual se aplica imediatamente às ações pendentes, mesmo sendo a situação processual uma situação de formação sucessiva. A razão de ser desta dupla asserção entronca na natureza instrumental da lei processual, isto é, na circunstância de ela não afetar a situação material das partes, respeitando apenas ao modo como elas devem fazer valer em juízo as faculdades e os direitos que lhe são concedidos pela lei substantiva (cfr., neste sentido, o Acórdão n.º 508/99, n.º 4). Assim sendo, poderia alvitrar-se que a exequibilidade dos títulos só é cognoscível aquando do impulso da ação executiva e nunca antes, estando permanentemente dependente da «opção do sistema jurídico, em sede de direito público (adjetivo), sobre o grau de certeza do direito exigível para a admissibilidade da ação executiva» (cfr. J. Lebre de Freitas, A ação executiva, cit., pp. 85-86). Neste contexto, nenhuma mudança desencadeada pelo legislador a este nível poderia preencher os índices de imprevisibilidade necessários ao apuramento de uma situação de confiança legítima. Não é de aceitar uma tal conclusão. O princípio da aplicação imediata da lei processual, sendo perti- nente para a presente questão de constitucionalidade, não tem, todavia, por efeito a aniquilação da legiti- midade das expetativas que os privados tenham depositado na continuidade de um determinado regime

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