TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

23 acórdão n.º 408/15 normativo mesmo em matéria de processo. Desde logo, como qualquer princípio, ele é por natureza harmo- nizável com outros princípios, como o da tutela da confiança. Neste âmbito, aludindo a jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão, o Tribunal Constitucional já referiu, no contexto da fiscalização de normas relativas à aplicação imediata da atualização do valor das alçadas para efeitos de recuso, «também o direito processual pode fundamentar posições de confiança, nomeadamente em processos pendentes e em situações processuais concretas. (…) Mesmo se em geral a Constituição protege menos a confiança na manutenção de posições jurídicas processuais do que na de posições jurídicas materiais, podem aquelas no caso concreto ter um significado e um peso que as torna tão dignas de proteção como estas» (Acórdão n.º 287/90, n.º 20). É de rejeitar o estrito formalismo de se considerar aprioristicamente que perante alteração de lei processual em nenhuma situação se poderia invocar o princípio da tutela da confiança. 10. A norma objeto do presente processo deve ser, por isso, submetida ao teste do princípio da confiança, analisando-se se o comportamento do legislador nesta matéria foi de molde a criar nos cidadãos expetativas legítimas, justificadas e fundadas de continuidade, em que estes se basearam ao formular planos de vida. Ao longo das últimas décadas tem-se assistido a sucessivas iniciativas legislativas de alargamento do rol de títulos executivos. Destaca-se, neste capítulo, o Decreto-Lei n.º 533/77, de 30 de dezembro, que subtraiu a exigência de reconhecimento notarial de assinatura do devedor nos títulos cambiários (letras, livranças e cheques) quando o montante da dívida constante do título fosse inferior à alçada da Relação, e, mais tarde, o Decreto-Lei n.º 242/85, de 9 de julho, que estendeu aquela eliminação a todos os títulos de crédito, independentemente do seu valor. A reforma de 1995/96, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de dezembro, ao consagrar a exequibilidade de documentos comprovativos de um leque muito alar- gado de obrigações, com dispensa generalizada de reconhecimento notarial da assinatura do devedor, foi o momento culminante deste progressivo alargamento. Assim, através de sucessivas reformas na ação executiva, o legislador tinha vindo a ampliar a exequibilidade dos documentos particulares, associando tal ampliação ao desiderato constitucionalmente admitido de evitar o recurso desnecessário a ações declarativas de con- denação, sobretudo naquelas situações em que sobre o direito do credor não recai verdadeira controvérsia. Uma tal orientação legislativa veio todavia a ser invertida com a aprovação do novo CPC, que restringe essa exequibilidade, pretendendo reagir aos riscos de proliferação de ações executivas injustas. Existia, portanto, um comportamento consistente do legislador num determinado sentido, face ao qual a presente norma representa um volte-face. Ora, apesar de o título executivo não se confundir com o documento que o materializa, a sua função probatória constitui pressuposto da sua função executiva. A norma em apreciação não influi na existência ou inexistência do direito de crédito ou da obrigação exequenda, mas altera o valor probatório para fins execu- tivos de documentos já emitidos mas ainda não acionados, implicando, assim, uma inevitável reavaliação de factos passados, recusando-lhes a virtualidade de produção de certos efeitos. Documentos que antes admi- tiam a imediata instauração da ação executiva, agora perderam aquele atributo. Assim, decisões passadas tomadas pelos cidadãos com base num determinado quadro normativo, rela- tivamente estável, tiveram as suas consequências atuais e futuras afetadas negativamente pela presente alte- ração legislativa. De facto, o reconhecimento da exequibilidade imediata dos documentos que titulavam os seus créditos é suscetível de ter tido influência sobre a conduta dos credores, os quais, assumindo que já dispunham da “chave” de acesso ao processo executivo, se abstiveram de realizar outras diligências ao seu alcance como, por exemplo, diligenciar pela autenticação do documento que titulava o seu crédito. Como concretizado por Maria João Telles, «se, à data da celebração do negócio ou da constituição da relação jurí- dica, aquele documento não revestisse a força de título executivo, o credor não teria porventura formado a sua vontade nos termos em que a formou, podendo presumir-se que só não requereu a autenticação do documento particular porque tal formalidade não era necessária para que aquele documento fosse um título executivo» (“A Reforma do Código de Processo Civil: A supressão dos documentos particulares do elenco dos títulos executivos”, in Julgar on line, setembro 2013). Ao suprimir a ligação que antes se estabelecia entre o

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