TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

231 acórdão n.º 476/15 bens tramitado no processo penal respeitante ao crime cuja condenação é pressuposto da aplicação desta medida, contaminar a produção de prova relativa à prática desse crime. Por estas razões se conclui que a presunção legal estabelecida nos artigos 7.º e 9.º, n. os  1, 2 e 3, da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, não viola o princípio da presunção de inocência, nem o direito do arguido ao silêncio, nem a estrutura acusatória do processo penal. Mas, embora o legislador disponha de uma ampla margem de liberdade na concreta modelação de um deter- minado procedimento, não está autorizado a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito a uma tutela jurisdicional efetiva. Admitindo-se que o legislador não podia ser indiferente à evidência de que o nexo causal que é objeto da pre- sunção legal questionada oferece grandes dificuldades de prova, o que é generalizadamente reconhecido, a criação de uma presunção legal de conexão não resulta num ónus excessivo para o condenado, uma vez que a ilisão da presunção será efetuada através da demonstração de factos que são do seu conhecimento pessoal, sendo ele que se encontra em melhores condições para investigar, explicar e provar a concreta proveniência do património amea- çado. As presunções legais surgem exatamente para responder a essas situações em que a prova direta pode resultar particularmente gravosa ou difícil para uma das partes, causando, ao mesmo tempo, o mínimo prejuízo possível à outra parte, dentro dos limites do justo e do adequado, enquanto a tutela da parte “prejudicada” pela presunção obtém-se pela exigência fundamentada e não arbitrária de um nexo lógico entre o facto indiciário e o facto presu- mido, o qual deve assentar em regras de experiência e num juízo de probabilidade qualificada. As normas sub iudicio correspondem a estas exigências, revelando-se que o legislador teve o cuidado de prevenir que, sendo mais difícil ao arguido provar a licitude de rendimentos obtidos num período muito anterior ao do processo, a prova da licitude dos rendimentos pode ser substituída pela prova de que os bens em causa estavam na sua titularidade há pelo menos cinco anos no momento da constituição como arguido ou que foram adquiridos com rendimentos obtidos no referido período [cfr. artigo 9.º, n.º 3, alíneas a) , b) e c), da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro]. Esta limitação temporal faz com que a prova necessária para que possa ser ilidida a presunção se torne menos onerosa. Acresce ainda que, no plano processual, o regime de perda de bens previsto na Lei n.º 5/2002, embora assente numa condenação pela prática de determinado ilícito criminal (integrante do catálogo previsto no artigo 1.º da Lei n.º 5/2002), está sujeito a um procedimento próprio, enxertado no procedimento criminal pela prática de algum dos aludidos crimes, no qual o legislador não deixou de ter em atenção diversas garantias processuais. Desde logo, como vimos, o montante apurado como devendo ser declarado perdido em favor do Estado deve constar de um ato de liquidação, integrante da acusação ou de ato posterior, onde se indicará em que se traduz a desconformi- dade entre o património do arguido e o que seria congruente com o seu rendimento lícito. Este ato de liquidação é notificado ao arguido e ao seu defensor, podendo o arguido apresentar a sua defesa, nos termos já referidos, assegurando-se, assim, um adequado exercício do contraditório, sendo que, conforme se referiu, para ilidir a pre- sunção, o arguido pode utilizar qualquer meio de prova válido em processo penal, não estando sujeito às limitações probatórias que existem, por exemplo, no processo civil ou administrativo, além de que o próprio tribunal deverá ter em atenção toda a prova existente no processo, donde possa resultar ilidida a presunção estabelecida no artigo 7.º, n.º 1, da Lei n.º 5/2002 de 11 de janeiro (artigo 9.º, n.º 1, do mesmo diploma).» Mantendo a adesão a estes fundamentos devem julgar-se não inconstitucionais as normas constantes dos artigos 7.º e 9.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, improcedendo também o recurso nesta parte. III – Decisão Nestes termos, decide-se: a) Não julgar inconstitucionais as normas constantes dos artigos 119.º, 120.º, 126.º, 188.º e 190.º, todos do Código de Processo Penal, quando interpretadas no sentido de que a preterição dos pra-

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